segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Memórias acidentais (23): O cerco à Assembleia Constituinte
Publicado por Vital Moreira


(sublinhados da minha responsabilidade)
1. Um dos episódios mais marcantes na história da Assembleia Constituinte (1975-76), de que fui testemunha pessoal, como deputado que era do PCP, foi o cerco ao palácio de São Bento, de 12 para 13 de novembro de 1975, por uma enorme manifestação dos sindicatos da construção civil, vinda desde o ministério do Trabalho (à Praça de Londres), cerco que manteve os deputados confinados durante longas 36 horas.

Ouvindo os revoltados comentários de muitos deputados de outros partidodos nos corredores nessa longa noite, não tive dúvidas de que o sequestro do único órgão eleito do poder político de então aumentava seriamente a hipótese de uma operação para fazer valer a "ordem democrática" contra a "anarquia revolucionária", de que se falava desde o verão -, que veio a ser o 25 de Novembro, que pôs termo ao processo revolucionário.

2. O episódio do cerco constitui o objeto de um livro de Isabel Nery, acabado de publicar (na imagem), que hoje dá uma entrevista ao Diário de Notíciais sobre o tema.

Concordando em geral com a versão dos acontecimentos nessa entrevista, tenho, porém, dois pontos de divergência. Em primeiro lugar, penso que a autora não tem razão quando escreve que os deputados do PCP, do MDP e da UDP tinham liberdade de saída e entrada do Palácio. Se bem me lembro, no que diz respeito pelo menos ao PCP - o qual, embora solidário com a luta sindical da construção civil, não apoiou o cerco -, os seus deputados, entre os quais se encontravam dirigentes do Partido, também sofreram o confinamento, e a única derrogação de que me dei conta foi a saída de uma deputada do Barreiro, que conhecia alguém no piquete sindical, e que na noite do dia 12 foi autorizada a sair para buscar abastecimentos, o que fez.

De resto, se esses deputados podiam sair, porque é que haveriam de voltar? A verdade é que nenhum deixou o Palácio.

3. Discordo igualmente da aproximação, admitida pela autora, desse cerco de 1975 com os recentes episódios do assalto e invasão violenta e destrutiva do Congresso dos Estados Unidos e do palácio do Planalto em Brasília, em ambos os casos organizados por forças da extrema-direita para contestar os resultados das eleiçoes presidencias nos dois países, constituindo, portanto, verdadeiras tentativas de golpe de Estado.

Ora, sem desvalorizar a gravidade do caso de 1975, em Lisboa, o que é facto é que não houve nenhuma invasão, muito menos depredação, do Palácio de São Bento, nem menção dela, e o cerco, protagonizado por sindicatos sem nenhum apoio partidário explícito, não visava pôr em causa nenhumas eleições nem operar qualquer subversão das instituições políticas existentes. O referido paralelismo parece-me, por isso, de todo infundado.

Adenda
Um leitor recorda que o verdadeiro alvo da manifestação sindical era o Governo, tendo sido também cercada a residência oficial do PM, situada na cerca posterior do Palácio de São Bento, e que no início da manifestação, o chefe do Governo, Pinheiro de Azevedo, se dirigiu aos manifestantes a partir da varanda do Palácio, dando lugar às vaias daqueles, pelo que a Constituinte terá sido uma «vitima colateral à mão» da ira dos manifestantes.


Texto interessante de Vital Moreira (VM), retirado do seu blogue.
Neste texto, VM:
- afirma que o PCP não apoiou o cerco
Creio que se esqueceu de dizer - EXPLICITA e PUBLICAMENTE

- informa que só uma deputada que conhecia alguém do piquete sindical é que saiu para se ir abastecer; 
VM é sempre elegante a classificar o próximo como muitos burrinhos; apenas casualidade, a deputada e só ela conhecia alguém….

- cerco sem nenhum apoio partidário explícito
VM cada vez mais engraçado, não acham? Claro que não foi explícito, oh sr professor, não era necessário, pois não?

- Colateral. . . 
É VM no seu melhor.

Sempre achei e continuo a achar os ortodoxos convertidos umas estimáveis criaturas.
Como sempre, respeito a opinião de outrem, neste caso de VM.

VM parece continuar a acreditar que a maioria de nós, os cidadãos comuns que não andaram por Bruxelas e Estrasburgo, permanecemos uns tontinhos.

AC

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