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Até porque, em muito casos, não é da liberdade de expressão que se trata, mas sim de crimes de difamação. Como também não é de "discurso de ódio", aberrante bizarria de invenção recente.
Este "discurso" é uma invenção.
Ninguém sabe exactamente o que é.
Este "discurso" é uma invenção.
Ninguém sabe exactamente o que é.
Ou, antes, é o que convém a quem a ele se refere.
Quais são os seus termos? Há uma lista? Quem estabeleceu? Com que direito? Como se comunica ao cidadão o que é proibido?
Deverá estabelecer-se um "Index"? Um Manual de boas maneiras democráticas? Poderia o sistema de prevenção chamar-se
"exame prévio"?
"exame prévio"?
O "discurso de ódio" é um dos maiores mistérios do presente.
Não distingue entre opiniões e acções.
Falar de alguém sem tom afectuoso ou sem elogios, isso é discurso de ódio?
Desde quando se deve gostar de toda a gente?
Como é possível imaginar alguém que não tenha "ódios de estimação" e não goste de fascistas ou de comunistas, de burgueses ou de sindicalistas, de europeus ou de africanos, de portugueses ou de estrangeiros, de cristãos ou de muçulmanos?
Se levarmos a sério o "discurso de ódio", as anedotas com alentejanos ou belgas devem ser proibidas.
De igual modo, as histórias com galegos, judeus, africanos, índios e chineses. Ou "portugas". Termos como "monhé" ou mulato teriam de ser vedados. Nababo e soba têm de ser eliminados. "Les portugais sont toujours gais" deverá ser interdito. "Paciência de chinês" e "avareza de escocês" ou de judeu é ódio. "Fazer judiarias" é termo a merecer cadeia. Tratar alguém por siciliano é condenável. Termos como "mariquinhas" têm de ser abolidos.
Livros têm de ser reescritos: Lusíadas, Cid, Quixote, Sermões, Camilo, Eça, Castro e Aquilino têm de passar à lupa da nova moral.
Esperam-nos tempos sombrios.
Livros têm de ser reescritos: Lusíadas, Cid, Quixote, Sermões, Camilo, Eça, Castro e Aquilino têm de passar à lupa da nova moral.
Esperam-nos tempos sombrios.
Mesmo sabendo nós que estas modas e estas pressões vão mudando. Para bem e para mal. Quem quiser perceber o carácter móbil da moralidade dos costumes pode entregar-se a vários passatempos.
Por exemplo, ler os álbuns do Tintim desde os anos 1930 até hoje.
A maneira como são tratados os negros, os chineses, os russos, as mulheres, os animais, até os portugueses, ilustra bem a evolução de critérios.
A leitura dos Astérix permite as mesmas conclusões.
Outro exercício consiste em ler os Pontos nos iii, o António Maria e a Paródia, todos de Bordalo Pinheiro. Pelo que lá diz, o artista estaria hoje à sombra, impedido de publicar. O Mundo ri e a Gaiola aberta já teriam sido condenados.
O que era ingénuo passou a ser odioso. O que era proibido é agora recomendado ou livre.
O grande problema é o da definição dos limites.
Quem define? Com que direito?
As horas de violência, sexo e palavrões, na televisão, já mudaram muito e evoluem conforme os tempos. Os insultos de hoje não são o que eram há 20 anos. Os nus de hoje não são o que eram há 30.
Com que direito um grupo de sábios, parlamentares, professores, jornalistas, sacerdotes ou advogados define o que posso exprimir e a que horas posso dizer?
Todos os dias vemos quem se julgue mestre de moral, titular de direitos sobre as vidas dos outros, imbuído de conhecimentos excepcionais sobre o que é bom ou mau para os cidadãos, convencido de que pode transformar em leis as suas preferências, certo de que as
suas opções são as únicas decentes!
suas opções são as únicas decentes!
A superioridade moral dos partidos de esquerda só tem de igual a certeza dogmática dos partidos da direita.
Os últimos anos têm sido de agravamento deste dilema entre duas formas de despotismo.
A liberdade de expressão ganha força quando se lhe deve aquilo de que não se gosta.
Se a liberdade de expressão consiste em pronunciar as frases aceites e os conteúdos admitidos, não há liberdade.
Temos eventualmente um belo coro, mas liberdade, não.
A liberdade de expressão não se limita a poder dizer o que nos apetece. Implica ter de ouvir o que não gostamos.
A liberdade de expressão não é só construtiva!
É também destrutiva, crítica e demolidora! A minha liberdade de expressão não termina com a liberdade de expressão do outro. Não! Ela implica a liberdade de expressão do outro, implica que a opinião do outro seja diferente.
O confronto entre opiniões, ao abrigo da liberdade de expressão, chama-se discussão.
A diferença entre opiniões chama-se controvérsia.
A coexistência chama-se liberdade (António Barreto)
(sublinhados da minha responsabilidade)
António Cabral (AC)
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