terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

CONDIÇÃO MILITAR (parte II)
5. DN de 23 Janeiro 2017
Voltando ao artigo do DN, e parecendo-me certo que os militares são sucessivamente maltratados desde sobretudo 1985, alguns dos argumentos adiantados creio que fazem mais mal que bem à instituição militar, aos militares.
Desde logo apontar que (palavras minhas) já não se pode chegar ao topo com 21 anos de serviço. Qualquer cidadão minimamente informado sobre aspectos do meio empresarial e do funcionalismo público que leia isto, só pode ficar mais de pé atrás com os militares até porque, estou convencido, a esmagadora maioria dos cidadãos desconhece completamente a moldura legislativa na área militar e haverá até alguns que ainda hoje devem pensar que os militares têm imensas regalias e entre elas, gasolina mais barata para as viaturas privadas. Ignorância que, com maldade muitas vezes activamente mas sempre passivamente na sombra, os políticos procuram manter pelo menos desde 1985.
É conhecido que conforme existe mais desemprego, mais jovens concorrem às academias militares, mais jovens procuram prestar serviço voluntário porventura na esperança de mais tarde conseguirem entrar para os quadros das FA. Estou perfeitamente convencido que, ao longo dos anos com naturais variações, certamente que compareceram junto dos ramos das FA jovens conscientes de ser a carreira militar uma profissão atractiva mas, sobretudo, muito digna. Que o é, inequivocamente.
Mas não acredito que a desistência de 3700 oficiais e sargentos entre 2010 e 2015 apontada pelo autor assente, apenas, na falta de confiança em agentes políticos.
Aliás, conforme me confessam amigos preocupados, parece que a escassez de militares que não oficiais e sargentos começa a transfigurar-se num agudo problema nas FA.
Adicionalmente, não me parece verdadeiro que a questão das restrições políticas apontadas converta os militares em seres "acéfalos e abúlicos" e a que lhes "estão cerceados os direitos de pensar e escolher." Por não lhes ser legalmente permitido protestos organizados, não poderem constituir sindicatos, não poderem fazer greves, serem obrigados a apartidarismo, não me parece que os militares passem a ser “vegetais".
A meu ver, numa sociedade democrática, equilibrada, de direito, os militares devem ser como que “capados” nos aspectos em causa, mas como cidadãos certamente que pensam, obviamente que fazem escolhas, naturalmente que têm opiniões e, muito importante, VOTAM, exercendo esse direito constitucional como todos os seus restantes concidadãos.
Os militares devem estar subordinados aos orgãos de soberania, ao poder político, mas não devem ser submissos. E creio que, como observador atento que me considero, é muito isto o que se tem passado nos últimos anos, uma submissão vergonhosa. Quando certos militares, que o podem legalmente fazer, só se escandalizam e dão entrevistas para os OCS quando os governos não são da sua cor, mas não se escandalizam publicamente perante as mesmas vergonhas perpetradas pelas suas gentes, talvez também por aí resida parte do racional que leva o TEN Cabrita a mostrar o seu descontentamento.

6. Cumprimento das leis
Mas olhando à questão - condição militar - sobre a qual existe uma Lei formalmente em vigor, entre as várias perguntas possíveis sobre a matéria uma será - a lei está a ser cumprida? De certeza que quer os anteriores quer os actuais titulares de orgãos de soberania dirão SIM. Não sei o que dirá o actual Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, se SIM, se NÃO, ou NIM.
Do que investiguei, ficam-me dúvidas. Existe por exemplo, pelo menos um documento ou um livro, onde estão arroladas todas as pouca vergonhas praticadas pelos sucessivos governos, deputados e comandantes supremos das FA, concretamente as leis que estabelecem deveres de audição de associações e por aí fora. 

Parece que anos atrás houve um general que terá dito que não era presidente de sindicato. Se foi exactamente assim, talvez nesse dia os militares devessem ter começado a imaginar o que gradualmente iriam sofrer na pele.
Ainda quanto a cumprimento de leis, os militares têm cumprido as leis do País?
Quem sou eu para o dizer mas, olhando ao que diz a 
Lei11/ 89, Art. 3.º - Os militares assumem o compromisso público de respeitar a Constituição e as demais leis da República e obrigam-se a cumprir os regulamentos e as determinações a que devam respeito, nos termos da lei - arrisco dizer que desde 1982 os militares têm sempre cumprido as leis e nomeadamente a CRP.

7. Estatuto próprio? Benefícios? Prebendas? Compensações? 
Há um ditado que diz mais ou menos - o que torto nasce tarde ou nunca se endireita.
A leitura da CRP mostra um saco enorme de direitos para os cidadãos e, em vez de uma listagem de deveres dos mesmos cidadãos (que até devia vir antes dos direitos, que mais não fosse por questão de ordem alfabética) que devia ser exaustiva, existe uma pequenina enumeração de deveres, sobretudo por parte do Estado.
Fui ver o estatuto dos militares e, creio ter visto bem, deveres primeiro, direitos depois.
Muitos militares, mesmo hoje, creio, são um pouco avessos a coisas do direito. É a minha opinião, mas posso estar equivocado.
Se assim não fosse, talvez algumas coisas estivessem hoje diferentes e talvez não se queixassem tanto no presente.
Enquanto os políticos juristas propangandeiam, e é verdade, que o direito tem em vista a organização da sociedade, tem em vista promover mudanças na sociedade sem o objectivo de moralizar condutas, e que é portanto um sistema de normas de regulação de conduta social através de normas e princípios jurídicos assitido de proteção coactiva, por outro lado vão alterando as leis sempre mansamente, aproveitando os pequenos alçapões e as pequeninas frases de legislação anterior por si concebida. A que adicionam o borrifar-se para muitas em vigor.
Pode parecer casual, mas não é. 

Não é por despiste que na Lei 11/ 89 apenas numa alínea se mencione a palavra compensações. Não é por acaso que se gosta de falar em regalias. Repito-me, se por cada português que ainda pensa que os militares têm gasolina mais barata que o comum dos cidadãos eu recebesse 50,00 € ganhava um dinheirão.
Quando se olha à lista das nove caracterizações da condição militar, qualquer pessoa intelectualmente honesta vê que não está ali coisa pouca, coisa simples, corriqueira para qualquer mortal.
Todas as profissões têm características próprias, algumas há também com certos graus de penosidade e exigência, mas não creio que nenhuma se compare com a vida militar, com o que aos militares é exigido, com o que pode ser dramaticamente exigido.
Há para aí uns basbaques que olham para a particularidade - situações que podem exigir o sacrifício da própria vida - e arrotam, Ah, hoje em dia não há guerra!
Uma coisa me parece certa, os militares têm deveres especiais, e por esses deveres o Estado devia cumprir, escrupulosamente, o que as leis em vigor definem e impõem como compensações parciais para o modo de vida em causa, a carreira militar.
Nada me choca que, militares e famílias tenham determinadas assistências e proteções diferenciadas do comum dos cidadãos. Que estejam em letra de lei.

8. Conclusão
Na sociedade, e creio que hoje isso é indiscutível, com excepção das mentes do igualitarismo serôdio, os cidadãos devem ser iguais em tudo perante a lei, igualmente respeitados independentemente da fé, da ideologia, da origem, etc.
Mas, contrariamente aos serôdios, que muitas vezes se comportam como mais democratas que os outros, a realidade das sociedades saudáveis e evoluídas comporta muitas e diferenciadas profissões, igualmente respeitadas e a respeitar, algumas das quais, por estarem umbilicalmente ligadas a questões de soberania, têm não só características como condicionantes específicas. É o caso dos militares.
Um certo anacronismo vai corroendo a instituição militar e, se somos e devemos continuar a ser do mesmo barro, é impensável para gente intelectualmente honesta que o molde tenha que ser sempre igual.
Somos todos do mesmo barro, mas não do mesmo molde. Mas todos devemos ser iguais perante a lei.
Mas como a honestidade intelectual vai sendo cada vez mais escassa o resultado está à vista.
Os militares, e muito em particular as chefias, deviam e devem honrar o compromisso que juraram. Execrável que os poderes públicos não respeitem os militares, que não são funcionários públicos, são sim servidores do Estado. Sendo servidores do Estado, com fortes restrições constitucionais, a continuação do desequilíbrio entre isso e aquilo que a lei impõe para, de certa maneira, compensar as restrições em causa, nada augura de bom a médio prazo.
Mas, a meu ver, os militares enfrentam um grande problema. Qual?
É que o Art. 15º, estabelece no seu nº 1 - ….são devidos aos militares, de acordo com as diferentes formas de prestação de serviço, os benefícios e regalias fixados na lei.
E o Art. 15º, nº 2 - É garantido aos militares e suas famílias, de acordo com as condições legalmente estabelecidas, um sistema de assistência e protecção, abrangendo, designadamente, pensões de reforma, de sobrevivência e de preço de sangue e subsídios de invalidez e outras formas de segurança, incluindo assistência sanitária e apoio social

Registe-se - fixados na lei, e de acordo com as condições legalmente estabelecidas.Portanto, por leis alteradas sucessivamente e, cumulativamente, por ostensivo desprezo de várias em vigor, aos militares foram sendo retiradas compensações existentes no passado.
Têm ainda outro problema. Qual? É que os juízes e magistrados do MP que, no passado, no início de Cavaco Silva, integravam um quadro completo de equiparações salariais entre os vários servidores do Estado incluindo o funcionalismo público, no presente estão a léguas dos militares além de que nem querem ouvir falar na instituição militar. 

O sistema de justiça actua muito bem particularmente para o roubo de esticão ou o tubo de cebolas na mercearia.
Os sucessivos governos e os sucessivos deputados actuam como se sabe.
O PR Marcelo Rebelo de Sousa, na sua "costela" de comandante supremo das FA, andará preocupado com estas coisas? 
Hum......cheira-me que nada.
António Cabral

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