sábado, 21 de março de 2020

VALE a PENA RECORDAR 
Bela Vista? Sem dúvida
Luís Campos e Cunha – 2009 05 15
(sublinhados da minha responsabilidade)
Bairros destes foram construídos nos anos 50, por todo o lado, e tornaram-se verdadeiros desastres sociais. O Bairro da Bela Vista nunca devia ter existido e os recentes distúrbios de Setúbal são uma bela vista das políticas dos últimos 30 anos.

Neste tipo de fenómenos gosto de distinguir entre culpados e responsáveis. Os culpados são os indivíduos que fazem parte das quadrilhas de malfeitores e que têm de ser punidos pela justiça, pois sabem distinguir o bem do mal. Que fique claro, não vale a pena embarcar em discursos demagógicos, aliás, habilmente utilizados pelos próprios. Como dizia um dos delinquentes na televisão, como não arranjava emprego, via-se forçado a roubar caixas de multibanco. Ora, o nexo causal está invertido: tipos que roubam multibancos nunca arranjam emprego, porque ninguém está disposto a empregá-los. O desemprego é uma boa razão para usufruir uns subsídios do Estado, de estar em formação profissional ou ser apoiado pelo Banco Alimentar mas não para atacar gente pacífica, naturalmente.

Os responsáveis são todos os irresponsáveis que propiciaram o surgimento deste tipo de delinquência. E os responsáveis são muitos e vêm de longa data: autarcas, educadores, urbanistas, ministros vários, desde os da educação, da justiça, da administração interna, até aos da defesa...

Desde logo, os autarcas e urbanistas (aliados à acção social da moda) são responsáveis porque nunca deveriam ter sido construídos estes bairros sociais. O apoio aos pobres devia ser isso mesmo, apoio ao rendimento de pessoas necessitadas. Segundo, os apoios à habitação, a existirem, deveriam ser à renda e não dar gratuitamente um apartamento. Terceiro, não se deveriam promover bairros sociais e muito menos daquela forma que rapidamente se transformam em guetos sociais. Estes bairros, sem a integração dos descendentes de pessoas que afluíram à cidade - seja por migração interna ou por imigração - e por natureza desenraizados, levaram gente honesta a ser refém de grupos de marginais organizados que impõem a sua própria lei. Bairros destes foram construídos nos anos 50, por todo o lado, e tornaram-se verdadeiros desastres sociais, o que todos os políticos locais e técnicos tinham obrigação de saber. Estes bairros sociais, que existem nas nossas grandes cidades, deveriam ser desmantelados, as pessoas realojadas e dispersas por bairros não guetizados. A tradição de Lisboa (e de outras cidades) é não ter guetos. Mesmo na Lapa conviviam, sem problemas, os muito pobres com os mais ricos.

São também responsáveis os muitos responsáveis da educação deste país. A primeira vez que se preocuparam verdadeiramente com o ensino pré-escolar foi com o governo Guterres. Sem pré-primária os filhos de imigrantes, portugueses de pleno direito, não conseguem ter sucesso escolar e a marginalidade é imediata. Os pais estão muitas vezes ausentes, porque são bons trabalhadores, mas não falam um português correcto e o insucesso escolar dos filhos é fatal e inevitável.

Por outro lado, a educação passou a ser neutra em valores. Não deu quadros morais de referência que permitissem distinguir o essencial do acessório. Na televisão uma senhora queixava-se da falta de apoios sociais. Mas já tinha um apartamento dado pela Câmara, a casa estava descuidada e desarrumada (de quem era a culpa?), e tinha duas grandes motas estacionadas na sala! Prioridades de quem tem os valores de pernas para o ar.

Também não é claro que a abordagem no ensino fosse a correcta: estes delinquentes certamente começaram por roubar uma insignificância qualquer a um colega e não foram punidos de forma equivalente. Falou-se com eles ou fechou-se os olhos para não os traumatizar e, com isso, deu-se a ideia de que a malvadez compensa. Roubar passou a ser permitido aos 7 anos e dez anos mais tarde temos as quadrilhas que temos.

A justiça, cada vez mais injusta, deixou de actuar em tempo e afastou o castigo do crime. Ou seja, não desincentivou actos ilegais e confirmou a (falta de) educação que receberam.

Mas há mais responsáveis: ministros da defesa. Há uns anos, sem se medirem as consequências, acabou-se com o serviço militar obrigatório (SMO). Primeiro, esta medida foi vista como uma medida de esquerda e foi uma grande conquista das "jotas" dos partidos; no entanto, o SMO foi, historicamente, uma conquista da esquerda para evitar as guardas pretorianas. Quem não conhece a história faz destas coisas. Segundo, o SMO obrigava os recrutas a viverem um ano com regras estritas, com responsabilização e com punições imediatas correspondentes para os prevaricadores. Terceiro, as Forças Armadas eram a melhor escola de formação profissional. Ninguém saía sem um ofício e aprendia a viver com regras. O SMO poderia ser dispendioso mas uma análise social custo-benefício deveria amplamente justificar esses custos.

Sem ensino pré-primário, uma escola sem moral, uma ideologia de facilitismo e de irresponsabilidade, bairros sociais que são guetos, integração social e moral impossível e uma sociedade avessa a impor valores, conduziram a esta situação socialmente explosiva. E para percebermos o que se passa, nem falei da Crise. Neste caso não há crise, há uma catástrofe social cozinhada em lume brando nos últimos 30 anos da nossa política.

A polícia pode resolver este caso mas nunca ela poderá resolver o problema. Resolver o problema passaria por reconhecer os erros que os políticos que têm estado no poder não reconhecem. Seria exigir o impossível. O Bairro da Bela Vista é, de facto, uma bela vista sobre a nossa sociedade. Professor universitário.

António Cabral (AC)



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