terça-feira, 27 de julho de 2021

Declaração do ex-Presidente Ramalho Eanes
"A notícia da morte do Otelo Saraiva de Carvalho magoou-me e surpreendeu-me. Magoou-me, por se tratar de mais um amigo que parte. Surpreendeu-me, porque estive, recentemente, com o Otelo, no funeral da sua mulher, e achei-o, naturalmente, abatido, mas, aparentemente, com vigor e saúde.
Conheci o Otelo na Guiné, onde o substituí na Direcção da Secção de Radiodifusão e Imprensa do Comando-Chefe. Tornámo-nos amigos. Foi, aliás, essa amizade que me levou a testemunhar em seu favor no julgamento a que foi submetido, apesar de muitos reparos e apelos para que o não fizesse.
O Otelo era um homem bom, generoso, embora, por vezes, pouco prudente, pouco realista – contraditório, mesmo. Adorava representar, até na vida real, esquecendo que a representação exige um espaço delimitado, em que tudo o que aí é normal não o é na vida real.
Para mim, e apesar de todas as contradições, o Otelo tem direito a um lugar de proeminência histórica. E tem esse direito, apesar da autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências, porque foi ele quem liderou a preparação operacional do 25 de Abril, a mobilização dos jovens capitães, o comando da operação militar bem-sucedida.
E penso assim porque entendo que um Homem é uma unidade e continuidade, uma totalidade complexa, e que só é bem julgado quando considerando, historicamente, esse quadro e o seu contexto. Mas há homens que, num momento histórico especial, se ultrapassam, ganhando dimensão nacional, indiscutível, porque souberam perceber e explorar uma oportunidade histórica única, e sentir os anseios mais profundos do seu povo.
Otelo é uma dessas personalidades. A ele a pátria deve a liberdade e a democracia. E esta é dívida que nada, nem ninguém, tem o direito de recusar.
António Ramalho Eanes"


Todas as opiniões devem ser respeitadas, concorde-se ou discorde-se.
Permiti-me aqui trazer as palavras do nosso primeiro Presidente da República em Democracia na sequência do falecimento do camarada de armas do Exército, Otelo Saraiva de Carvalho. 
Estive uma única vez com o então Capitão em 1972, quando embarcou no navio onde eu prestava serviço acompanhando vários jornalistas estrangeiros convidados do general António de Spínola, evento dos vários que constituíram boa parte da campanha de promoção daquele então governador da Guiné e Comandante-Chefe.

Concordo com tudo o que o general Ramalho Eanes entendeu partilhar com os seus concidadãos. 
Sublinho a amarelo o que para mim é evidente e não deve ser calado.
Sublinho a vermelho a referência feita com elegância a tudo o que de muito perverso e trágico aconteceu, infelizmente. 
Descanse em paz Otelo.

António Cabral

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