quinta-feira, 22 de abril de 2021

NÃO O CONHECI PESSOALMENTE
Não o conheci pessoalmente. 
Cruzei-me com ele duas ou três vezes na rua Augusta em Lisboa, era ele ministro de António Guterres, acompanhado por um séquito de 4 a 5 pessoas, e dessas poucas vezes sempre pouco passando das 1400 horas, eu sozinho em passo apressado para regressar ao meu gabinete, e ele em passo descontraído na galhofa com os acompanhantes. 
Aliás, uma característica dele, bonacheirão e normalmente bem disposto.

Sim, refiro-me a Jorge Coelho, lamentável e prematuramente  desaparecido do convívio na sociedade portuguesa. Não passado muito tempo do que acima refiro, viu-o com a mulher numa recepção numa embaixada, num daqueles fretes onde eu, por dever de ofício, tive de ir vezes sem conta durante um período de três anos, e mais tarde durante um ano.
Mas onde o observei mais atentamente, e mais recentemente, ao vivo, foi no Verão, junto da mulher e dos netos, tempo de praia, e a almoçarmos refeições ligeiras que o hotel servia depois da praia. Separados por não mais de 10 a 15 metros, ouvindo-se perfeitamente a sua fala típica, pausada, a falar com os netos.
Creio que com bastante mais razão no caso de Jorge Coelho comparado com muitos mais, a realidade é que deve ser muito mas muito raro não haver alguma palavra de apreço e compreensão e exaltação para quem deixa de estar no nosso convívio. Muito do que por aí ouvi e li sobre ele parece-me mais que adequado.

Do escasso supra referido, ainda assim arrisco dizer que Jorge Coelho era um homem de família e, por algumas observações que ao meu ouvido de tísico não escaparam, era homem com normas e princípios. Convincente e ternurento com os netos, muito afável para quem com ele se cruzou naqueles dias, em Altura. Falador, com outros muito conhecidos políticos e pessoas para mim completamente desconhecidos que por ali também andavam e dele se aproximavam. 
A quem me leia, pode parecer que tenho alguma reserva quanto a Jorge Coelho. E ser daqueles que, em relação a quem parte, ainda o corpo não está gélido e lamentavelmente se permitem pontapeá-lo. 
Nada disso. RIP.

Simplesmente, creio que Jorge Coelho é um dos políticos mais interessantes de analisar e, também por ele, se tentar perceber o que tem sido Portugal desde o 25 de Abril de 1974, e porque razões estamos como estamos, e assim continuamos.

Um dos aspectos que a generalidade das pessoas sempre realça em Jorge Coelho é a sua atitude na sequência do desabamento da ponte de Entre-os Rios. Foi uma atitude política digna, o assumir a responsabilidade política por aquela tragédia que destroçou dezenas de famílias. Esta decisão terá deixado Guterres contrariado mas sem hipótese de recusar a demissão.
A sua inflamada retórica de combate político era outro aspecto sempre muito elogiado em Jorge Coelho. 

Deixo de lado a parte do combate político, da oratória truculenta, a voz do poder de então.
Interessa-me a outra parte, a atitude, a demissão. Digna, já o referi, sem sombra de dúvida. Mas lembro-me de um ministro PS, salvo erro da Indústria, que apresentou a sua demissão por, se bem me recordo, ter surgido um problema com familiar directo e que entendeu que mancharia a sua reputação, postura, posição. Essa demissão, décadas atrás, essa demissão não mais a esqueci, a dignidade e os valores superiores que a impuseram num homem com coluna vertebral. 

Jorge Coelho também tinha coluna vertebral.
Mas a minha questão é que, ao demitir-se, nenhum problema resolveu.
Não ficando, não mandou apurar de fio a pavio como era seu timbre, os negócios das areias. 
Não ficando, não exigiu um relatório exaustivo sobre como eram ou não concretizadas as inspeções a todas as pontes e viadutos no país que, sabemos agora como noticiado recentemente, são feitas com periodicidade e rigor completamente diferentes do passado.
Não ficando, não se ficou a saber se as inspeções eram ou não feitas.  Não ficando, Jorge Coelho não pode mandar apurar todas as responsabilidades técnicas e até políticas dentro do seu ministério, e assim tudo certamente continuou na mesma, por muito tempo, arrisco dizer.

Uma demissão, digna como a de Jorge coelho, não equivale ao apuramento de responsabilidades, não equivale à resolução de problemas, não equivale à alteração de procedimentos ou à instituição de procedimentos que deviam existir e porventura não existiam.
Jorge Coelho com o poder que detinha, formal, mas sobretudo pela sua notável estatura política, partiu e assim ficou quase tudo na mesma. Quantos anos decorreram até que as coisas na área em apreço ficassem com procedimentos que agora parecem ser tidos por adequados?
Se Jorge Coelho não se tivesse demitido, estou convicto que muito se modificaria e muito mais depressa. 
Este é o meu ponto. 
Para que serviu então a sua demissão? 
Para mostrar a sua dignidade, a sua coluna vertebral? 
Jorge Coelho era dos poucos que, na minha opinião naturalmente, não precisava de demonstrar isso. 
Pessoalmente considero que a sociedade portuguesa nada ganhou com essa demissão. Com o seu falecimento prematuro desapareceu um dos que tinha fibra.
AC

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