PS, MDN, Forças Armadas, o Costume !!
Só se espanta quem não tem estado atento, nomeadamente desde 1991.
Essencialmente, na minha opinião naturalmente, começou sobretudo com o PM Cavaco Silva e com Fernando Nogueira na pasta da defesa nacional (MDN), sempre com a passividade do então PR Mário Soares, foi aumentando com António Vitorino e com a passividade de Sampaio, continuou com todos os seguintes. O actual MDN, é apenas mais uma "estrela" nesta triste constelação.
Como diz e bem o general Carlos Branco - "apesar das homenagens que lhes têm de prestar, e do frete dos encómios e elogios que lhes têm de fazer".
Vem isto a propósito de um interessante artigo deste general, publicado no Expresso no passado dia 8 de Abril, e intitulado - "O que move o ministro que tutela os militares".
Este artigo recorda-me desabafos de alguns outros (muito poucos) oficiais generais, designadamente desde 2005, desabafos que alguns entenderam como inapropriados, ou demasiado ásperos, ou ácidos, houve até quem se interrogasse se havia alguma coisa contra A ou B.
As coisas não acontecem por acaso, nem surgem de repente, além de que se comprova, mais uma vez, quão complicado na vida é ter razão antes de tempo. Adiante.
Deste interessante artigo realço os seguintes aspectos que Carlos Branco disseca:
1º a equiparação do estatuto do general actual presidente da Proteção Civil a subsecretário de Estado,
2º a referência a um agendamento de uma reunião dos chefes militares com o Comandante Supremo das Forças Armadas,
3º as sucessivas desconsiderações aos chefes militares e menorização das Forças Armadas (FA),
4º a posse de um Vice-Chefe pelo ministro,
5º o estudo sobre a saúde militar.
Antes de ir aos aspectos que acima refiro, na minha opinião naturalmente, a governamentalização das FA é um facto desde há décadas. LAMENTÁVEL.
Começou concretamente quando, com Fernando Nogueira em MDN, um dia houve que escolher um novo chefe militar. As normas legais da altura estabeleciam que o ramo das FA em causa apresentaria ao MDN e com a devida antecedência, uma lista com 3 nomes, dos quais o MDN levaria para conselho de ministros um nome e, se aprovado, o PM apresentá-lo-ia ao PR.
Azar dos azares, o nome que o governo na altura gostava que viesse a ser o novo chefe do ramo não estava na lista.
E lá tiveram que escolher quem não pensavam. Vingaram-se a seguir. Alteraram a lei, o MDN passou a chamar todos os generais ou almirantes com 3 estrelas, entrevistando-os isoladamente, e escolhendo então um para novo chefe, nome a apreciar no conselho de ministros para depois o PM o apresentar ao PR.
As desconsiderações, as afrontas, a menorização das FA é uma constante há décadas. No presente, o actual PR e o seu irmão gémeo comandante supremo das FA, periodicamente clama em público - os melhores dos melhores. Deve ser a moderna e democrática concepção de - passar a mão pelo pêlo.
Olhando a legislação em vigor, por exemplo a lei orgânica de bases das FA, verifica-se que a lei consagra o Chefe do Estado-Maior General das FA (CEMGFA) como principal conselheiro militar do MDN (Artº 10º), e é nomeado e exonerado pelo PR sob proposta do governo.
A mesma lei estabelece procedimento semelhante para a exoneração e nomeação dos chefes militares (CEM's) dos ramos (CEMA/ Marinha, CEME/ Exército, CEMFA/ Força Aérea).
A lei em causa estabelece ainda no Artº 24º que, o MDN nomeia e exonera sob proposta do chefe militar do respectivo ramo, quer os vice-chefes dos ramos quer os comandantes dos comandos das componentes, naval, terrestre, aérea, ou seja, os comandantes operacionais dos ramos.
Quanto aos aspectos que do artigo sublinho:
1º a equiparação do estatuto do general actual presidente da Proteção Civil a subsecretário de Estado.
Este tipo de coisas nunca acontece sem a anuência do interessado; vale a pena lembrar o historial passado e, por exemplo, lembrar quem António Costa escolheu para comandar a GNR anos trás. Isso pode explicar muita coisa.
2º o agendamento de uma reunião dos chefes militares com o Comandante Supremo das Forças Armadas.
Bem podem esperar sentados pelos resultados de tal coisa.
3º as sucessivas desconsiderações aos chefes militares e a menorização das Forças Armadas (FA).
São muitas e sucessivas, mas uma boa parte das chefias militares para isso muito foi contribuindo ao longo dos anos. Ninguém que tenha estado atento aos últimos 30 anos pode espantar-se. Nada acontece por acaso.
4º posse de um Vice-Chefe pelo MDN.
A lei é clara quanto a quem nomeia e exonera: é o MDN. A lei estabelece a necessidade de uma proposta prévia do chefe militar do ramo em causa, não é o ministro que escolhe o Vice-chefe, sendo certo que pode ou não aceitar a proposta do chefe militar do ramo. Compreendo o que o general Branco escreve sobre este assunto, e as diferenças que aponta são óbvias, e o poder político devia atentar nelas mas, juridicamente, não me parece que o general tenha razão. Presumo que os sempre amigos das FA entendem que, se nomeiam ao abrigo da lei então, devem conferir a posse, como acontece em outros casos. Juridicamente parece-me que nada há a apontar; deixaram a lei assim......
A questão da confiança que Carlos Branco coloca só terá sentido se a proposta do Chefe do ramo for recusada.
Seria aliás muito interessante conhecer os depoimentos escritos e análises dos então chefes militares relativamente a estas normas, quando da discussão da lei aprovada em 2014. Seria muito interessante conhecer essas posições.
Uma coisa me parece caricata: sendo o poder político que escolhe exonera e nomeia ( e bem) todos os chefes militares, porque carga de água a estrutura superior de cada um dos ramos das FA é nomeada também pelo MDN/ governos? Não deveria caber só aos chefes sobre os quais já foi exercido um escrutínio político?
5º estudo sobre a saúde militar.
O que o general refere neste âmbito é mais uma das várias alarvidades que, com assiduidade, os políticos e concretamente os sucessivos MDN e PM concretizam.
Nem vale a pena perder muito tempo com isto.
Dar a proposta de lei ou um estudo acerca das FA a outrem antes de a colocar ao seu legítimo e legal conselheiro militar, diz bem da qualidade e estatura da criatura que assim procede.
Mas, já agora, talvez seja de recordar que as associações militares foram recebidas por Guterres e Sampaio antes de serem recebidas pelos chefes militares da altura. Creio não estar enganado.
Culpa de quem?
Não das associações militares.
Creio que culpa dos chefes militares de então, e dos políticos de então e da sua descarada ausência de vergonha na cara, acumulando uma notória ausência de noção de autoridade do Estado, e esquecendo a imperiosa necessidade de preservação da dignidade e respeito por instituições como as FA.
Em síntese, estou certo que a concretizar-se a tal reunião dos chefes militares com o PR e mais o seu irmão gémeo comandante supremo das FA, a reunião começará com grandes abraços, e uma frase do género - é com muita satisfação e honra que vos recebo, os melhores dos melhores, e desde já vos garanto que os problemas serão resolvidos. Agora, uma selfie, sff.
António Cabral ( AC)
Em baixo o artigo de opinião do general Carlos Branco
Apesar do reduzido tempo no cargo, já é possível discernir o pensamento do atual responsável pela tutela das Forças Armadas sobre o modo como se vai relacionar com os militares.
Foi sintomática a aprovação no Conselho de Ministros – sem a sua oposição conhecida – a nova lei orgânica da Proteção Civil, que equipara o estatuto do seu presidente a subsecretário de Estado. Colocar o responsável da Proteção Civil – por quem nutro a maior estima e consideração pessoal, assim como a todos que integram essa estrutura – acima dos Chefes dos Ramos das Forças Armadas é um péssimo sinal que se dá à sociedade. A localização da cadeira em que se sentam os responsáveis das instituições do Estado reflete a sua importância e prestígio social. A intenção do Governo foi clara e inequívoca, apesar de ter arranjado à última da hora uma solução de recurso, após parecer negativo dos chefes militares, inventando uma equiparação limitada apenas “às iniciativas de proteção civil”, seja o que isso for.
Foi uma decisão infeliz. Não será de surpreender a ausência dos Chefes dos Ramos às agora designadas “iniciativas de proteção civil”. Numa altura em que precisamos de fomentar relações cooperativas e harmoniosas entre instituições, os decisores lançam achas para a fogueira alimentando a discórdia. O decisor político comportou-se como um desestabilizador. Por outras palavras, um troublemaker. A provocação teve como resultado o agendamento de uma reunião dos chefes dos ramos com o Chefe Supremo das Forças Armadas.
Não seria de atribuir grande importância ao facto se fosse um caso isolado. Poderia até ser um descuido. Todos os têm. Mas infelizmente não é. Insere-se num conjunto de sucessivas desconsiderações dos chefes militares e de menorização das Forças Armadas, refletindo uma linha de pensamento preconceituada abraçada por alguns segmentos da elite política e académica nacional, que não nutrem grande consideração pelos militares, apesar das homenagens que lhes têm de prestar, e do frete dos encómios e elogios que lhes têm de fazer.
São demasiados casos insólitos. No final de 2018, a tradicional mensagem de Boas Festas às Forças Armadas começava do seguinte modo: “Caros civis, militares e militarizados da Defesa Nacional”. Sem desprimor para os civis que servem nas Forças Armadas, aos quais muito se deve pela dedicação e profissionalismo, não podemos fingir que não percebemos a sequência escolhida. A ordem dos fatores não é arbitrária. Não foi distração ou ingenuidade, foi uma opção deliberada.
Não há memória do Vice-chefe do Estado-Maior de um Ramo ser empossado pela tutela, e não pelo próprio Chefe do Ramo. É verdade que é a tutela quem nomeia o Vice-chefe dos Ramos. Que isso seja um argumento para o empossar vai uma grande distância. Para além da formalidade, a tomada de posse reveste-se de um simbolismo importante. Quem empossa manifesta confiança em quem está a empossar, e o empossado declara lealdade a quem o empossa. Ao ser um ato presidido pela tutela, a relação de confiança-lealdade fica implicitamente estabelecida entre o Governo e o empossado, e não entre o Chefe do Ramo, sob as ordens de quem vai trabalhar, e o empossado. A isto chama-se governamentalização das Forças Armadas.
A história vai repetir-se com os comandantes operacionais dos Ramos, uma vez que é a tutela quem os nomeia, mais um ato pouco recomendável de governamentalização das Forças Armadas. Convém alguém explicar ao ministro que tutela as Forças Armadas, que controlo democrático das Forças Armadas não significa governamentalização. Não será também de estranhar, que para além do CEME, não tenham comparecido na tomada de posse do Vice-chefe do Exército nenhum chefe militar, em funções ou não.
Recentemente, a tutela encomendou a Ana Jorge, antiga ministra da saúde, um estudo sobre a saúde militar, sem dar conhecimento ao CEMGFA. Este tinha entregue um estudo semelhante à tutela, que não mereceu qualquer despacho. Sublinhe-se que em 2006, tinha sido encomendado a Ana Jorge um estudo semelhante, por sinal recorrendo à mesma equipa, que foi repudiado pelos quatro chefes militares da época.
Em mais um ato de insensatez, a tutela entregou o projeto de decreto-lei sobre progressões remuneratórias às associações profissionais militares antes de dar conhecimento do diploma aos chefes militares. Nada me move contra as associações profissionais, bem pelo contrário. Para além de sócio da AOFA, sou defensor do associativismo militar. Não é uma forma correta de tratar assuntos desta natureza. Será que a tutela quer colocar as chefias contra as associações profissionais? Não é sério pedir comentários sobre um diploma a uma sexta-feira às 19 horas para serem apresentados na segunda-feira seguinte pelas 11:30. São práticas que não abonam a favor desta equipa ministerial.
Um mal nunca vem só. À desconsideração e menorização junta-se o desconhecimento. A referida nova lei orgânica da Proteção Civil transfere os assuntos do Planeamento Civil de Emergência (PCE) do domínio da Defesa para o da Administração Interna. O legislador confunde Planeamento Civil de Emergência com Proteção Civil, dois conceitos distintos, embora com alguma proximidade nalguns aspetos. O PCE trata do apoio civil às operações militares, nomeadamente às operações militares da OTAN, garantindo a prontidão desse apoio por parte das nações Aliadas, e tem como interlocutores principais os ministérios da defesa e dos negócios estrangeiros, independentemente de terem de cooperar com uma ampla gama de atores. Por isso, o ministério da defesa foi sempre o órgão mais adequado para fazer esta coordenação. Não há nenhuma justificação para alterar essa prática.
Começa a ficar insustentável a sucessão de gaffes e casos infelizes, em que a tutela se comporta como o elemento desestabilizador, gerador de entropia. Para além da tentativa de menorização social dos militares, foram dados passos perigosos na governamentalização das Forças Armadas, à sombra de um pretenso controlo democrático. Normalmente a luz que se vê ao fundo do túnel é a de um comboio que vem na nossa direção. Em que direção pretende ir o ministro que tutela os militares?
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