segunda-feira, 9 de setembro de 2024

MÉDICOS, CUIDADOS de SAÚDE
José Fragata,17 ago. 2024
Médico cirurgião e professor universitário
A falta de médicos e a necessidade de novas escolas médicas – mito ou realidade?
Não temos falta de médicos, temos é médicos mal distribuídos, nomeadamente por regiões, por especialidades, e cada vez mais “perdidos” para o estrangeiro e para os sectores privado e social.

A falha clamorosa do Serviço Nacional de Saúde tem sido recentemente atribuída à escassez de profissionais pelo que será pertinente reflectir sobre se essa falta é mesmo real e, logo, reflectir sobre a necessidade de abrir novas escolas médicas? Segundo o mais recente relatório da OCDE (2023) Portugal dispõe 5,6 médicos por 1000 habitantes, valor provavelmente sobrestimado por considerar também os aposentados, mas que nos deixa na realidade muito próximo da média europeia que é de 4,1 por mil. Já no que se refere à enfermagem Portugal acha-se claramente deficitário, com 7,4 enfermeiros relativamente à média europeia que é de 8,5 por mil habitantes.

Mas se não temos falta de médicos porque teremos a percepção de que serão insuficientes? O citado relatório refere ainda que cerca de 70 % dos médicos trabalha na capital e no norte do país, uma assimetria que privilegia o litoral; mas para além desta assimetria regional sabe-se que do total de médicos disponíveis só cerca de metade trabalham hoje no SNS (2,2/mil – Pordata), resultado de um abandono de cerca de 1 500 médicos por ano, debandada que se vem agravando e atinge em particular os médicos jovens.

Em resumo, não temos verdadeiramente falta de médicos, temos é médicos mal distribuídos, nomeadamente por regiões, por especialidades e cada vez mais “perdidos” após a formação para o estrangeiro e para o sector privado e social, fora do SNS, serviço que assegura ainda 2/3 da totalidade dos cuidados assistenciais e que se pretende assumir como prestador de saúde dominante.

Existirão questões organizativas, nomeadamente a dimensão e organização de equipas e serviços, uma excessiva carga burocrática sobre os médicos e a insuficiente delegação de tarefas médicas no restante staff. Estes factores tiram rentabilidade ao trabalho médico e contribuem para a percepção da sua carência efectiva. Como resolver este problema?

O governo anterior e, ficámos a saber, também o actual, defendem a abertura de novas escolas médicas para colmatar a prazo (formação de cerca de 10 anos…) a percebida falta de médicos, face à expectável aposentação de 1500 médicos por ano. Infelizmente, a abertura de novas escolas médicas sendo desnecessária comporta riscos. Segundo uma comissão técnica empossada pelos ministérios do ensino superior e da saúde para estudar a necessidade da abertura de novas escolas médicas, comissão de que fiz parte, os 1650 médicos formados anualmente seriam suficientes no quadro presente e acautelando dinâmicas futuras. Portugal forma anualmente 16,5 médicos por cem mil habitantes, contra 15,3 por cem mil habitantes na média europeia, existindo no país actualmente onze escolas médicas (nove públicas e duas privadas), tendo este número mais que duplicado nos últimos 24 anos! A abertura, agora anunciada, de mais duas escolas de Medicina, em Évora e Trás-os-Montes, elevará para 13 o número de escolas médicas no país, e valerá a pena referir que sendo a mediana europeia de 0,6 escolas por milhão de habitantes, Portugal ascenderá a 1,3 escolas por milhão de habitantes, valor este só mesmo ultrapassado na Europa pela Bielorrússia…

Que consequências nos trará, a fazer-se, esta expansão de escolas de ensino médico? Primeiro, problemas de escala e rentabilidade, dado que no presente 60% de toda a oferta formativa é assegurada por quatro escolas médicas, com os restantes 40 % a serem distribuídos pelas restantes sete que admitem um número escasso de alunos em cada ano, logo com reduzido impacto no número de médicos formados. Assim, estes cursos “boutique” no sector público serão dificilmente sustentáveis dado que a formação de um licenciado médico atinge hoje custos bem superiores a cem mil euros pagos pelos impostos de todos.

Mas o maior risco será o “efeito de contágio” sobre as escolas já existentes, muitas utilizando em parcerias de ensino as unidades hospitalares a envolver e que lutam já com conhecidas dificuldades nos racios de docência e condições logísticas para o ensino. A abertura de novas escolas irá por isso dispersar docentes especializados e oportunidades de aprendizagem. Convirá assinalar que o ensino médico é especializado e exigente e deve ser conduzido por docentes com preparação específica, sendo que cada médico hospitalar não configura, necessariamente, um docente universitário de medicina.

Daqui resultam riscos inaceitáveis pela descapitalização, mais do que certa, de docentes das escolas já existentes, com prejuízo destas mesmas e, naturalmente, para a qualidade do ensino médico e dos médicos formados. Recorde-se que Portugal é reconhecido pelos seus distintivos padrões de formação médica. A comissão técnica em que participei propôs logo no início deste ano uma taxa anual de crescimento de licenciados médicos de não mais de 1 a 2 %, não pela abertura de novas escolas, mas pelo reforço efectivo de meios docentes das escolas já existentes, convergindo com os critérios de qualidade da World Federation for Medical Education e satisfazendo as escolas os recentes padrões de acreditação da agência portuguesa A3ES. Mais recomendou que fossem ponderadas no sistema de saúde as razões que condicionam as assimetrias de distribuição médica e outras medidas correctivas no contexto da formação médica pós-graduada, para melhor rentabilizar o trabalho médico.

A abertura de novas escolas médicas é um tema muito sério e tem vastas implicações: económicas, qualidade dos médicos a formar e sociedade em geral. Deve, por isso, ser ponderada em bases técnicas e objectivas que se enquadrem nos racios e recomendações internacionais e que se adaptem localmente no quadro da necessária transformação do nosso Sistema de Saúde. Abrir novas escolas médicas independentes das existentes poderá até ser politicamente correcto, poderá ser conveniente ilustrando uma pronta e enérgica medida em resposta a um problema sentido, mas não será em bases técnicas sólidas a via certa.

É que neste, como em tantos outros casos onde a concentração é desejável à dispersão, maior número não se traduzirá em melhor resposta e seguramente não resultará em melhor qualidade e na criação de mais valor, antes pelo contrário. Future will tell!

Estive a reler o artigo que em cima reproduzo, lido no jornal Observador. 
É de um médico que considero, na medida do que ao longo do tempo lhe tenho visto defender, explicar, no que a muitos aspectos da medicina em Portugal respeita.

Naturalmente, é de admitir que nem em tudo o que afirma e defende possa ter razão. A sua opinião é discutível, como todas.

Mas este artigo de opinião parece-me um artigo decente, intelectualmente honesto. E como este já houve mais alguns, de áreas políticas e profissionais diferentes.

O que vejo na realidade dos nossos dias? Sindicatos e ordens, discutem  com rigor e honestidade intelectual a realidade e as enormes dificuldades no sistema de saúde em Portugal?

Estou-me marimbando se alguns acham que a ministra actual tem uma cara sinistra. Creio inadequado abordar um assunto qualquer que ele seja invocando o fácies de um dado responsável. 

Que existem algumas pessoas ou, digamos de outra maneira, que existam interesses vários a tentar ganhar ainda mais dinheiro com o chamado negócio da saúde, não tenho dúvidas sobre isso.

Mas as questões do SNS por exemplo não começaram em 2024.
E também não começaram em 2015.

Mas a realidade que vejo é que desde 2002 para não ir mais atrás, conto os anos de poder socialista e os anos de poder PSD. 

E entre as muitas realidades recordo por exemplo os anúncios de António Costa sobre os médicos de família.

E entre as muitas realidades recordo que esteve um pouco mais de oito anos seguidos à frente de governos.
Não teve tempo para equacionar os problemas do sistema de saúde em Portugal?
Não teve tempo para desenhar reformas, impor soluções?

Como aqui escrevi algumas vezes, por razões familiares e a começar em 1969 tenho uma boa noção sobre médicos e enfermeiros, hospitais, centros de saúde, farmácias, medicamentos e negócios à sua volta.

Considero indigna a postura com que abordam o sistema de saúde,  todas as partes envolvidas.

Ah, e não tenho dúvidas, além de muitas coisas há questões corporativas a prejudicar o problema.  E alguns senhores que pouco administram.
E não é de agora. Além disso, e também não é de agora, haver dinheiro para umas coisas e não haver dinheiro depois para aquilo que se diz querer defender nem Santo Ambrósio conseguirá entender!
Fico por aqui.
AC

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