Às 4ª Feiras a jornalista Ângela Silva do Expresso escreve um artigo com o título supra.
O de 30 de Outubro de 2024, é este.
Caro leitor,
Por razões que não vêm ao caso, costumo visitar Algés, concelho de Oeiras, Área Metropolitana de Lisboa, e achei genial uma campanha publicitária lançada há quatro anos pela câmara municipal, sob o lema “Eu sou do bairro”. A ideia era combater preconceitos relativamente aos bairros sociais e em outdoors gigantes surgiam casos de sucesso de jovens nascidos e criados nestes locais, sendo Marcelino Sambé, um português com ascendência guineense que nasceu no bairro do Alto da Loba e chegou a bailarino principal no Royal Ballet de Londres, apenas um exemplo.
São, evidentemente, exceções, mas a última campanha publicitária lançada pela autarquia de Isaltino Morais insiste em puxar pelo melhor de cada um e os outdoors passaram a exibir anónimos desconsolados – “eu não posso ser gestor” – e o contraponto ao lado – “aqui podes”. Para quem passa de carro é agradável, para quem vive em Oeiras e tem vida lunar é respeito e alento e o resto é o que é.
Ainda Marcelo Rebelo de Sousa não tinha descoberto as selfies, já Isaltino era mestre em proximidade e empatia. De tal forma que, no livro que escreveu na cadeia após ter sido condenado a dois anos de prisão por fraude fiscal e branqueamento de capitais, o autarca conta em pormenor como ao chegar ao pátio da Carregueira e ao ouvir os outros presos gritarem eufóricos “Isaltino! Isaltino” se sentiu, "subitamente, nas ruas de Oeiras". Vê-lo esta semana no velório de Odair Moniz, no bairro do Zambujal, não surpreende ninguém.
A empatia na política não é para todos nem é fácil, mas é o que pode estilhaçar a mediocridade do mundo a preto e branco que nos serviram nos últimos dias. Entre a extrema esquerda que vê nas polícias preconceito, abuso, racismo e morte e a extrema direita que só vê nos bairros gangues e crime a pedir mais tiros, só a proximidade dos problemas reais das pessoas pode ajudar a evitar que o fogo alastre. Se ainda formos a tempo.
Marcelo desta vez faltou à chamada, ao contrário do que fez há cinco anos, quando decidiu visitar o bairro da margem sul do Tejo onde eclodira um caso parecido com o do Zambujal – distúrbios entre moradores e a polícia. No Jamaica, o Presidente tirou selfies com Hortênsio Coxi, um jovem com historial de ataques a agentes e foi muito criticado pelas forças de segurança, a quem respondeu que quando se aproxima das pessoas não lhes pede o cadastro. Mas isso foi na era pré-Ventura. Estávamos em fevereiro de 2019, o Chega ainda era uma inexistência, em outubro desse ano elegeria apenas um deputado. Hoje tem 50 e faz da segurança e da sociedade policial um dos seus combustíveis prediletos. O centrão está notoriamente atarantado.
O que ouvimos de bocas do Chega – que se a polícia atirasse mais a matar o país estava em ordem – merece recurso ao léxico que ouvimos do próprio Chega sobre os bairros: é “rascaria”. Mas a lição a tirar destes oito dias de tumultos, crimes e debate radicalizado e rasteiro é que há muito medo no ar. Alguém se lembra do que disse Marcelo? Alguém fixou o que disse Pedro Nuno Santos? Ouviram Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, pedir mais do que mais polícia? E alguém percebe que a ministra da Administração Interna, famosa pela frontalidade com que denunciou "maçãs podres" nas forças de segurança, surja agora reduzida à condição de governante com problemas de comunicação?
Que o primeiro-ministro tenha começado pelo mais urgente, que era repôr a ordem pública, compreende-se. Mas ter demorado oito dias a encarar a outra face desta moeda e a assumir que “o que importa é a integração dos que nos procuram e um convívio são com aqueles que já cá estão” transpira hesitação na gestão política deste “PREC”. Isto não é primeiro a segurança, depois as pessoas. Ou é dois em um ou a dinamite continua. E sem empatia não vão lá.
Correu mal. Durante uma semana, os extremistas tolheram os moderados – ou se estava com a bófia ou com os cadastrados. E aos dois maiores partidos, que governam o país há 50 anos, faltou coragem para mandar calar esta gente e para assumir que o Estado não pode continuar a falhar nas políticas públicas nos Zambujais. Porque quando a morte de um cidadão, ainda que cadastrado, atiça uma semana de destruição e tumultos, o que fica exposto são crimes intoleráveis e insegurança, mas também revolta, desintegração e doença social.
Uma freira que trabalha no Zambujal explicou o básico às televisões: "Quando me perguntam o que é que eu faço nos bairros, respondo que não faço nada, perco tempo com as pessoas". Perder tempo com quem vive nos guetos que rodeiam as grandes cidades exige método, diálogo em permanência entre Governo, autarquias, associações de moradores e forças de segurança e implica um trabalho árduo, contínuo, demorado, com direito a selo de garantia.
É muito mau ver o poder político perder tempo com o bairro da Serafina quando vem o Papa e borrifar-se na Serafina quando o Papa se vai. A SIC foi lá em reportagem depois da poeira assentar e relatou: tudo na mesma. Isto é uma indignidade e por isso a reunião que ontem juntou o Governo com representantes de bairros da periferia de Lisboa, se não se eclipsar como o discurso do "Todos, todos, todos", pode ser um começo. O Governo diz que foi histórico, prometeu apoios para a habitação, saúde e educação, mas sabe que isso não chega e pediu propostas de combate ao racismo e à exclusão social. Fez bem. Quando não se sabe, pergunta-se.
Aqui ficam duas sugestões. Primeira: aproveitem a revisão do programa escolar de Cidadania dos 1.º e 2.º ciclos para retirar peso à conversa sobre o desencontro entre sexo e género – respeito pela diferença sempre, mas para estimular as dúvidas de género entre miúdos pré-adolescentes já sobram os TikToks – e cultivem a empatia por outras raças, pelos mais pobres e pelos muitos que, vivendo em bairros problemáticos, lutam todos os dias, honesta e corajosamente, por uma vida melhor.
Caro leitor,
Por razões que não vêm ao caso, costumo visitar Algés, concelho de Oeiras, Área Metropolitana de Lisboa, e achei genial uma campanha publicitária lançada há quatro anos pela câmara municipal, sob o lema “Eu sou do bairro”. A ideia era combater preconceitos relativamente aos bairros sociais e em outdoors gigantes surgiam casos de sucesso de jovens nascidos e criados nestes locais, sendo Marcelino Sambé, um português com ascendência guineense que nasceu no bairro do Alto da Loba e chegou a bailarino principal no Royal Ballet de Londres, apenas um exemplo.
São, evidentemente, exceções, mas a última campanha publicitária lançada pela autarquia de Isaltino Morais insiste em puxar pelo melhor de cada um e os outdoors passaram a exibir anónimos desconsolados – “eu não posso ser gestor” – e o contraponto ao lado – “aqui podes”. Para quem passa de carro é agradável, para quem vive em Oeiras e tem vida lunar é respeito e alento e o resto é o que é.
Ainda Marcelo Rebelo de Sousa não tinha descoberto as selfies, já Isaltino era mestre em proximidade e empatia. De tal forma que, no livro que escreveu na cadeia após ter sido condenado a dois anos de prisão por fraude fiscal e branqueamento de capitais, o autarca conta em pormenor como ao chegar ao pátio da Carregueira e ao ouvir os outros presos gritarem eufóricos “Isaltino! Isaltino” se sentiu, "subitamente, nas ruas de Oeiras". Vê-lo esta semana no velório de Odair Moniz, no bairro do Zambujal, não surpreende ninguém.
A empatia na política não é para todos nem é fácil, mas é o que pode estilhaçar a mediocridade do mundo a preto e branco que nos serviram nos últimos dias. Entre a extrema esquerda que vê nas polícias preconceito, abuso, racismo e morte e a extrema direita que só vê nos bairros gangues e crime a pedir mais tiros, só a proximidade dos problemas reais das pessoas pode ajudar a evitar que o fogo alastre. Se ainda formos a tempo.
Marcelo desta vez faltou à chamada, ao contrário do que fez há cinco anos, quando decidiu visitar o bairro da margem sul do Tejo onde eclodira um caso parecido com o do Zambujal – distúrbios entre moradores e a polícia. No Jamaica, o Presidente tirou selfies com Hortênsio Coxi, um jovem com historial de ataques a agentes e foi muito criticado pelas forças de segurança, a quem respondeu que quando se aproxima das pessoas não lhes pede o cadastro. Mas isso foi na era pré-Ventura. Estávamos em fevereiro de 2019, o Chega ainda era uma inexistência, em outubro desse ano elegeria apenas um deputado. Hoje tem 50 e faz da segurança e da sociedade policial um dos seus combustíveis prediletos. O centrão está notoriamente atarantado.
O que ouvimos de bocas do Chega – que se a polícia atirasse mais a matar o país estava em ordem – merece recurso ao léxico que ouvimos do próprio Chega sobre os bairros: é “rascaria”. Mas a lição a tirar destes oito dias de tumultos, crimes e debate radicalizado e rasteiro é que há muito medo no ar. Alguém se lembra do que disse Marcelo? Alguém fixou o que disse Pedro Nuno Santos? Ouviram Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, pedir mais do que mais polícia? E alguém percebe que a ministra da Administração Interna, famosa pela frontalidade com que denunciou "maçãs podres" nas forças de segurança, surja agora reduzida à condição de governante com problemas de comunicação?
Que o primeiro-ministro tenha começado pelo mais urgente, que era repôr a ordem pública, compreende-se. Mas ter demorado oito dias a encarar a outra face desta moeda e a assumir que “o que importa é a integração dos que nos procuram e um convívio são com aqueles que já cá estão” transpira hesitação na gestão política deste “PREC”. Isto não é primeiro a segurança, depois as pessoas. Ou é dois em um ou a dinamite continua. E sem empatia não vão lá.
Correu mal. Durante uma semana, os extremistas tolheram os moderados – ou se estava com a bófia ou com os cadastrados. E aos dois maiores partidos, que governam o país há 50 anos, faltou coragem para mandar calar esta gente e para assumir que o Estado não pode continuar a falhar nas políticas públicas nos Zambujais. Porque quando a morte de um cidadão, ainda que cadastrado, atiça uma semana de destruição e tumultos, o que fica exposto são crimes intoleráveis e insegurança, mas também revolta, desintegração e doença social.
Uma freira que trabalha no Zambujal explicou o básico às televisões: "Quando me perguntam o que é que eu faço nos bairros, respondo que não faço nada, perco tempo com as pessoas". Perder tempo com quem vive nos guetos que rodeiam as grandes cidades exige método, diálogo em permanência entre Governo, autarquias, associações de moradores e forças de segurança e implica um trabalho árduo, contínuo, demorado, com direito a selo de garantia.
É muito mau ver o poder político perder tempo com o bairro da Serafina quando vem o Papa e borrifar-se na Serafina quando o Papa se vai. A SIC foi lá em reportagem depois da poeira assentar e relatou: tudo na mesma. Isto é uma indignidade e por isso a reunião que ontem juntou o Governo com representantes de bairros da periferia de Lisboa, se não se eclipsar como o discurso do "Todos, todos, todos", pode ser um começo. O Governo diz que foi histórico, prometeu apoios para a habitação, saúde e educação, mas sabe que isso não chega e pediu propostas de combate ao racismo e à exclusão social. Fez bem. Quando não se sabe, pergunta-se.
Aqui ficam duas sugestões. Primeira: aproveitem a revisão do programa escolar de Cidadania dos 1.º e 2.º ciclos para retirar peso à conversa sobre o desencontro entre sexo e género – respeito pela diferença sempre, mas para estimular as dúvidas de género entre miúdos pré-adolescentes já sobram os TikToks – e cultivem a empatia por outras raças, pelos mais pobres e pelos muitos que, vivendo em bairros problemáticos, lutam todos os dias, honesta e corajosamente, por uma vida melhor.
Segunda: repitam de vez em quando o que Montenegro um dia disse a André Ventura no Parlamento: "De que é que me estou a rir? Estou-me a rir de si".
Mas quando a coisa for grave, morra quem se negue – não deixem à extrema esquerda o exclusivo da condenação da “rascaria”.
Nada garante que resulte para estancar o monstro (o catálogo de teorias sobre a queixa-crime contra o líder do Chega é um festival de gente a tatear). Mas o não está sempre garantido.
Vamos com calma.
Até para a semana.
Nada garante que resulte para estancar o monstro (o catálogo de teorias sobre a queixa-crime contra o líder do Chega é um festival de gente a tatear). Mas o não está sempre garantido.
Vamos com calma.
Até para a semana.
Artigo com aspectos interessantes, opinião pessoal, naturalmente.
Sublinhei algumas partes.
Creio que toca em aspectos essenciais, e aponta bem a parvoíces de vários TRISTES protagonistas.
AC
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