04 de maio de 2023
"Muito boa noite,
Portugueses,
Duas palavras. Uma sobre o passado. Outra sobre o futuro.
Uma sobre o passado. Apesar de alguns grandes números muito positivos da nossa economia, e de apoios a famílias e empresas, esses grandes números ainda não chegaram à vida da maioria dos Portugueses.
Eles esperam e precisam de mais e melhor.
Esperam e precisam de um poder político que resolva, mais e melhor, os seus problemas.
E isso exige capacidade, confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade, autoridade.
E a autoridade, para existir, ser confiável, ser credível, ser respeitada, tem de ser responsável.
Onde não há responsabilidade, na política, como na Administração, não há autoridade, respeito, confiança, credibilidade.
Um governante sabe que ao aceitar sê-lo aceita ser responsável por aquilo que faz e não faz e também por aquilo que fazem ou não fazem aqueles que escolhe, e nos quais é suposto mandar.
Como pode um Ministro não ser responsável por um colaborador que escolhera manter na sua equipa mais próxima, no seu gabinete, a acompanhar, ainda que para efeitos de informação, um dossier tão sensível como o da TAP — onde os Portugueses já meteram milhões de euros — e merecer tanta confiança que podia assistir a reuniões privadas preparando outras reuniões, essas públicas, na Assembleia da República?
Como pode esse Ministro não ser responsável por situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis — as palavras não são minhas — suscitadas por esse colaborador levando a apelar aos serviços mais sensíveis de proteção da segurança nacional, que, aliás, por definição, estão ao serviço do Estado e não de Governos?
Como pode esse Ministro não ser responsável por argumentar, em público, sobre aquilo que afirmara o seu subordinado, revelando pormenores do funcionamento interno e incluindo referências a outros membros do Governo?
A responsabilidade política e administrativa é essencial para que os Portugueses acreditem naquelas e naqueles que governam.
Não se resolve apenas pedindo desculpa pelo sucedido. Responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer. É pagar por aquilo que se faz ou se deixou fazer.
Não se afasta por razões de consciência pessoal de quem aprecia essa responsabilidade por muito respeitáveis que sejam. É uma realidade objetiva. Implica olhar para os custos objetivos daquilo que aconteceu na credibilidade, na confiabilidade, na autoridade do Ministro, do Governo e do Estado.
Não se mistura sendo política com a Justiça.
Não se apaga dizendo que já passou.
Não passou. Nunca passa. Reaparece todos os dias, todos os meses, todos os anos. Porque tem de existir para que os Portugueses se não convençam de que ninguém responde por nada, nem manda em nada. Ou melhor, acabam por só responder, eventualmente, os mais pequenos, mesmo se porventura eles tivessem atuado de forma errada.
Foi por tudo isto que entendi que o Ministro das Infraestruturas deveria ter sido exonerado. E que ocorreu uma divergência de fundo com o Primeiro-Ministro. Não sobre a pessoa, as suas qualidades pessoais, até o seu desempenho.
Mas sobre uma realidade, a meu ver, muitíssimo mais importante — a responsabilidade, a confiabilidade, a credibilidade, a autoridade do Ministro, do Governo e do Estado.
No passado, com maior ou menor distância temporal, foi sempre possível acertar agulhas.
Desta vez não.
Foi pena. Não por razões pessoais ou de disputa entre cargos que a Constituição distingue muito bem entre si, em termos de peso institucional, absoluto e relativo.
Mas por razões de interesse nacional.
E agora a palavra sobre o futuro.
Vai o Presidente da República retirar do caso ilações, ou seja, conclusões imediatos ou a prazo?
Sim. Duas conclusões se retiram e que, aliás, se completam entre si.
Primeira conclusão — tudo visto e ponderado, continuar a preferir a garantia da estabilidade institucional. Não fazer aquilo que por aí andam como cenários— implicando, imediata e direta ou indiretamente, o apelo ao voto popular antecipado.
Os Portugueses dispensam esses sobressaltos, essas paragens, esses compassos de espera, num tempo, como este, em que o que querem é ver os governantes a resolverem os seus problemas do dia a dia. Os preços dos bens alimentares. O funcionamento das escolas. A rapidez na justiça. O preço da aquisição da habitação.
Como Presidente da República escolhi há mais de sete anos tudo fazer para garantir a estabilidade constitucional. E penso ter conseguido, vindo de um hemisfério político — da direita — conviver esses mais de sete anos com Governos do outro hemisfério político — o da esquerda — sem conflitos institucionais sensíveis.
Comigo não contem para criar esses conflitos. Ou para deixar crescer tentativas, isoladas ou concertadas, para enfraquecer a função presidencial, envolvendo-a em alegados conflitos institucionais. Até porque todos sabemos bem como foram e como acabaram esses conflitos no passado.
Não haverá, pois, da minha parte nenhuma vontade de juntar problemas aos problemas que, neste momento, os Portugueses já têm.
Segunda conclusão — o que sucedeu terá outros efeitos no futuro.
Terei de estar ainda mais atento à questão da responsabilidade política e administrativa dos que mandam.
Porque até agora eu julgava que, sobre essa matéria, existia, com mais ou menos distância temporal, acordo no essencial.
Viu-se que não.
Que há uma diferença de fundo.
Assim, para prevenir o aparecimento e o avolumar de fatores imparáveis e indesejáveis de conflito, terei de estar ainda mais atento e mais interveniente, no dia a dia.
Para evitar o recurso a poderes de exercício excecional que a Constituição me confere e dos quais não posso abdicar.
Para esse efeito importa ir, ao longo destes mais de dois anos, sinalizando, de modo mais intenso, tudo aquilo que possa afastar os Portugueses dos poderes públicos.
No fundo, aquilo que signifique maior deterioração das instituições, criação ou agravamento de fraquezas na Democracia e na confiança que nela deve continuar a existir por parte da maioria esmagadora dos Portugueses, e que se não pode perder, porque uma vez perdida esse facto é irreversível.
Estas as lições para o Presidente da República, de um momento, em que a responsabilidade dos governantes não foi assumida como deveria ter sido com a exoneração do Ministro das Infraestruturas.
Primeira lição — Continuar a ser como até hoje, garantia de estabilidade no relacionamento institucional com todos os órgãos do poder político, a começar nos órgãos de soberania.
Segunda lição — ter sempre presente, como último fusível de segurança político, que é o Presidente da República no nosso sistema constitucional, que deve assegurar ainda de forma mais intensa que aqueles que governam cuidam mesmo da sua responsabilidade, cuidam mesmo da confiabilidade, cuidam mesmo da credibilidade, cuidam mesmo da autoridade, tentando que pontuais, mas-decisivas correções de percurso poupem — aquilo que ninguém deseja, a começar por mim — interrupções desse percurso. Porque aí chegados, já será tarde para deixar de agir em conformidade.
Portugueses,
Para que as duas conclusões retiradas sejam passiveis de concretização, espero poder contar com a sensatez, o sentido de Estado e o patriotismo de todos e, claro está, como sempre, mas sempre com a experiência, a prudência e a sabedoria do Povo português.
E, claro está, conta sempre com a experiência, a prudência e a sabedoria do Povo Português.
Muito boa noite."
Esta é a comunicação de Marcelo Rebelo de Sousa retirada do "sítio" da Presidência, e que ouvi em directo.
Mas, desculpem-me aqueles que têm a gentileza de seguir este simples blogue, fui a seguir usar a tecnologia e andei para trás para ver (o que em mim não é habitual) grande parte do jogo de bola do Porto com o Famalicão, pois de uma conversa ontem à tarde com os meus amigos e familiares tripeiros eu estava convencido e esteve perto de acontecer, que o Porto ia à vida. Mas ganhou, e o golo da vitória é um golaço.
De resto, como habitualmente, assistiu-se à palhaçada de diversas criaturas que nunca souberam o que é educação e civismo.
Agora e não ontem à noite, é que vou olhar para a verborreia de Marcelo, sendo os sublinhados da minha responsabilidade.
Uma reação primeira, rápida, ontem, logo depois do discurso - foi um bom discurso. Mas . . . e há muitos mas!
Vi hoje que há quem ache que foi irrepreensível. Como sempre respeito as opiniões de outrem, mas irrepreensível . . . . .
Mas antes de continuar reproduzo o que escrevi ontem cerca de meia hora antes do senhor palrar.
NÃO TENHO BOLA DE CRISTAL
Não tenho poderes de adivinhação.
Não tenho poderes de adivinhação.
Não faço ideia do que é que o irritado Marcelo irá dizer, ou aclarar, ou comentar às 2000 horas de hoje.
Algumas coisas sei pois estão descritas na CRP.
O Governo, qualquer que seja a sua cor partidária, é o órgão de condução da política geral do país (Art.182º).
As funções de um Primeiro-Ministro iniciam-se com a sua posse e cessam com a sua exoneração pelo Presidente da República (nº 1 do Art.186º).
O Primeiro-Ministro é nomeado pelo PR, ouvindo os partidos representados na AR e tendo em conta os resultados eleitorais.
Os restantes membros do Governo são nomeados pelo PR, sob proposta do PM (Art. 187º)
O Primeiro-Ministro é responsável perante o PR, no âmbito da responsabilidade política do Governo, perante a AR.
Os restantes membros do Governo são responsáveis perante o PM (Art. 191º)
O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado (nº 2 do Art. 195º).
O Presidente da República tem competência para dissolver a AR, ouvindo os partidos nela representados e o Conselho de Estado (alínea e) do Art. 133º); está impedido de o fazer durante estados de sítio ou de emergência, e seis meses depois da sua eleição ou seis meses antes de terminar o seu mandato.
Disto recordado resulta óbvio o que ele não pode fazer, de imediato.
Mas pode, por exemplo, hoje à noite, tecer duras críticas ao governo.
Bem, mas se o fizer, eu serei dos primeiros a recordar - mas então não tem estado de acordo com praticamente tudo?
Pode, por exemplo puxar dos galões e suscitar a atenção do povo para o que vai estando mal . . . . mas . . . .
Pode, por exemplo, não dizer quase nada hoje mas anunciar que convocará a curto prazo os partidos na AR e depois o Conselho de Estado, para avaliar se as instituições estão a funcionar regularmente, e se se considera ou não haver crise política, etc.
Aguardemos.
Termino estas linhas quando passam poucos minutos das 1930 horas.
António Cabral
Creio que o discurso foi com bom português, com escorreito linguajar.
Bom, mas o importante, mais que a forma, é a substância e não se deve esquecer tudo o que do anterior existe, se passou. Em relação a Marcelo, em relação a Costa, em relação a tudo e todos.
Estou-me borrifando para o comentariado. A minha opinião segue.
O que se passou é quase um culminar da pouca vergonha que é Marcelo Rebelo de Sousa tratar a função presidencial olhando apenas ao seu ego e ao seu umbigo.
Sempre achei e continuo a considerar António Costa um dos maiores vigaristas políticos, um intrujão quase imbatível. Falo ao nível da política, da postura política, da sua acção e inação políticas.
Mas isto dito é, no mínimo, execrável, que ao mesmo tempo que António Costa falava em S.Bento Marcelo tenha feito publicar aquele comunicado.
A reserva, a prudência é coisa que Marcelo despreza. O que se ganha em ter estas parvoíces em público?
Ainda há poucos dias Marcelo dava a entender com aquele sorriso patético que as coisas /estas coisas se tratariam com reserva. Esqueceu depressa.
Mas Marcelo tem a meu ver razão na caracterização sobre Galamba e, opinião pessoal naturalmente, essa caracterização aplica-se "ipsis verbis" a muito mais gente, dentro do PS, como dentro do PSD e restantes partidos.
Além dessa virulência, Marcelo atacou claramente o governo. Só uma certa tola comentadora é que tem o descaramento de negar isso, mas percebe-se, faz parte da seita.
Em síntese iremos ter um quadro político ainda mais triste do que até aqui. Por culpa de Marcelo, Costa e tantos outros políticos.
Marcelo vê agora certas coisas no governo mas, pergunto eu, é novidade? Antes foi tudo diferente? Devia ter, mas não tem, vergonha na cara.
Presidente, PM e muitos outros são mestres assumidos da descarada ausência de vergonha na cara.
Não quero ser advogado em causa própria mas, creio, não me enganei muito no que escrevi cerca de meia hora antes de mais um triste episódio desta telenovela trágica em que Portugal está transformado.
Claro que os governos devem governar e os presidentes devem presidir, como em 14 de Abril passado vomitou a criatura mais politicamente arrogante das últimas décadas.
Mas deviam, sobretudo, ter presente e assim proceder que, o poder, tem de ser um serviço. Deviam servir e não, SERVIR-SE.
A liberdade implica responsabilidade.
E aqui, as palavras, capacidade, confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade, autoridade, ecoam com muitas reverberações mas, desde quem as profere aos que as ouviram e eram alvos directos, como de costume ficam no ar pois, nenhum deles, as tem presentes na acção política, no exercício das suas responsabilidades enquanto titulares de órgãos de soberania. Uma vergonha. O costume.
Em síntese, não se safou um, todos péssimos na fotografia. Não é novidade. Continuaremos desgraçados.
AC
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