(Carlos M. Fernandes, Observador) (sublinhados meus)(comentários)
............Se a submissão dos média à discricionariedade dos Estados policiais é explicada pelos riscos de uma oposição visível, como se justifica a passividade dos jornalistas em democracia? Nas ditaduras, os jornalistas receiam a prisão ou a morte. De que têm medo os jornalistas, ao dia hoje, num regime, como o português, que se afirma livre? (perder o emprego) De um telefonema irado do Primeiro-Ministro? Da vigilância da PSP? Da incapacidade dos tribunais para assegurar a sobrevivência do Estado de Direito? Da pressão de chefes domesticados pelo dinheiro dos contribuintes? (porque senão abaixam a tola, perdem o emprego) Seja o que for, não transmite uma boa imagem dos jornalistas.
A comunicação social portuguesa, que já nos habituou à apatia diante da propaganda, trapalhadas e abusos de certos governos, vestiu, com a crise sanitária, o uniforme de serviçal do poder. (então o telejornal das 1300 na SIC é das coisas mais asquerosas e sabujas) Enquanto o Governo actual, com a complacência da Presidência da República, viola a Constituição, proíbe a venda de livros e água, fecha negócios, empurra milhares de pessoas para o desemprego, assalta os lugares estratégicos da Justiça, e ainda se atreve a exportar as suas vigarices para a União Europeia, os jornalistas dizem aos cidadãos para terem medo, manipulam-nos no sentido de estes se fecharem em casa e incitam-nos à denúncia com reportagens à caça de transeuntes sem máscara. Enquanto a polícia entra em propriedades privadas sem mandato, solicita comprovativos de residência a quem é visto na rua a passear o cão, intimida os incautos com interpretações abusivas de uma lei já por si excessiva e pede explicitamente a colaboração popular na vigilância dos prevaricadores, os jornais e as televisões massacram-nos com advertências do perigo da extrema-direita e do populismo, numa renovação, agora com um alvo fixo, da estafada rubrica vem aí o fascismo. Até há pouco tempo, os recorrentes alertas para o fascismo pareciam a história do rapazinho que grita “lobo!”. Agora, assemelham-se a uma fusão paródica de fábulas que poderíamos descrever como a história do rapaz que grita lobo quando já tem os ursos a comerem-lhe as papas em casa (ou na cabeça).
No comentário e debate, a apostasia da ciência consensual é censurada, ou por omissão, ou através do recurso a espantalhos e caricaturas do contraditório. Os jornalistas portugueses são, neste momento, inimigos da sociedade aberta e devem ser tratados com a intransigência que se reserva aos cúmplices de forças antidemocráticas. Há excepções, como é óbvio, mas são emudecidas pela cacofonia do medo ou saneadas no meio de uma serenidade apenas possível num país adormecido.
A pressão hierárquica e o ambiente policial que se vive não desculpam a demissão de responsabilidades. Outros lutaram e mantiveram-se fiéis aos seus ideais em tempos e lugares muito mais complicados. Quanto à degradação do ensino e à falta de preparação científica e humanística (e humana), explicam alguma coisa – pelo menos o facto de que se escrevia muito melhor na imprensa desportiva de antanho do que na generalista de hoje —, mas não tudo. Sobra a cobardia e a má-fé. Em face da manifesta venezuelização de Portugal, a comunicação social parece aquela senhora vitoriana que, quando persuadida pelo argumentário darwinista, afirmou: “Será talvez verdade que o homem deriva dos símios, mas ao menos não o digamos. É melhor que não se saiba de tal!”
...... Na actualidade lusa, os jornalistas não só imprimem a lenda, como são eles próprios quem a inventa e conta, uma e outra vez, até esta se tornar um facto. Além disso, com lendas ou factos, os jornalistas do Oeste americano participaram na transição do estado selvagem para o Estado de Direito. Ao abdicarem da dúvida em benefício de consensos forçados, os Portugueses, ao invés, habilitam-se a viabilizar a ruína do primado da lei. A história julgá-los-á.
António Cabral (AC)
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