terça-feira, 6 de dezembro de 2016

FORÇAS ARMADAS, CHEFES MILITARES, POLÍTICOS
1. Um amigo alertou-me há dias para um artigo publicado recentemente no “Observador” intitulado “A Marinha em banho-maria”, escrito por um almirante reformado, bom conhecedor daquela instituição militar. Acrescento que foi Vice-Chefe do Estado-Maior da Armada quando a Marinha foi comandada pelo Almirante Vieira Matias. Dizem-me que correram nessa altura rumores, fundados ou não, de desapontamentos vários com a recondução do Almirante Matias. A recondução de chefes militares é coisa que a lei prevê possa acontecer. Aconteceu, acontece, não é usual. Ao que parece, agora, a geringonça quer que aconteça com o general Pina Monteiro, que está no topo das hierarquias militares (é o actual Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (FA) - CEMGFA), por razões que, de facto, como muito bem comenta o articulista, e agora são palavras minhas, se compreende ………..só……. muito à força,.....e mesmo assim!. 
Por chefes militares entende-se, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e os três oficiais generais chefes dos ramos (Marinha, Exército e Força Aérea), respectivamente Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA), do Exército (CEME), da Força Aérea (CEMFA). 

2. Li o artigo com bastante interesse, e com gosto. Como tenho amigos civis que ao longo dos anos (designadamente 1985-2002) me foram contando coisas várias sobre as FA e acerca de relacionamentos ao longo dos anos entre certas figuras militares e o poder político, decidi-me olhar para este assunto. Assunto que, é de segunda prioridade no meio das desgraças nacionais, mas como bem dito já, respeita a um pilar essencial do Estado. Repito, do Estado, coisa a que pantomineiros vários ao longo de décadas sucessivamente desprezam. 
A começar naquele senhor muito aplaudido por todo o lado e que todos dizem cumprimentar toda a gente mas, digo eu, desde que não seja….militar (8 Julho 1996). Vou consultar arquivos, coisa sempre interessante agora que, uns consideram haver no presente grande enxovalho para a Marinha nesta questão do CEMGFA e outros desvalorizam a coisa. Imagino que o ministro da Defesa Nacional esteja a ponderar o "factor humano". O primeiro-ministro (PM) deve estar tão ralado com estas coisas como a D.Celeste lá na minha aldeia na Beira-Baixa, e o Presidente da República (PR) que por inerência é Comandante Supremo das FA (CSFA) pensa certamente em comentários alternativos. Já agora, destas coisas de militares e relacionamentos com poderes políticos ao longo dos últimos 42 anos, atrevo-me a dizer - sei alguma coisa. 


3. O 25 de Abril de 1974 foi levado a cabo por militares, esmagadoramente do Exército. Aliás, basta olhar à nossa história para se perceber o porquê de tanta influência do Exército na vida do País ao longo dos séculos. Influência positiva umas vezes, muito negativa outras. A revolução militar quase de imediato passou a popular, pois o regime de então estava não só apodrecido como, sobretudo, o PCP estava bem infiltrado em diferentes sectores da sociedade portuguesa. De popular a revolução passou a política e depois social. Seguiram-se muitas coisas boas, mas também desmandos infindáveis, de que hoje sofremos ainda as consequências. Em 25 de Novembro de 1975 o PCP foi, ao mesmo tempo, travado e salvaguardado. Em 1982, os militares regressaram aos quartéis, CRP adequadamente revista, Conselho da Revolução finalmente extinto, com aplauso geral dos partidos todos. Pessoalmente duvido que todos tenham sido sinceros.
Iniciou-se então um lento e, digo eu, penoso processo de normalização relativamente ás FA. Penosidade que hoje persiste. De salientar, desde logo, a entrada em vigor da Lei 29/82/11Dezembro, Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. Esta lei veio mais tarde a ter diversas alterações e, concretamente, nas questões das promoções de almirantes e generais ao topo, do EMGFA, da Marinha, do Exército e da Força Aérea. Entre outras coisas, a lei atrás indicada tinha o espírito adequado (a meu ver) de subordinar as FA ao poder político e estabelecer uma interligação entre os orgãos de soberania e os seus titulares, bem como em relação à estrutura das FA então definida. 
Mas, creio que se exagerou, para não dizer errou, por exemplo, com o Artº 31º da lei, capando literalmente e exageradamente os militares no referente ao exercício de direitos estabelecidos na CRP. Fantasma Eanes?


4. Quanto a promoções na estrutura superior das FA, é interessante olhar á sucessiva produção legislativa e, como muitas vezes acontece, olhar ao passado e verificar que algumas alterações foram efectivadas, quase certamente, por causa de incómodos concretos.
No texto inicial do Artº 52º da Lei 29/82/11DEZ, para nomeação de novo CEMGFA a lei definia que fosse elaborada uma lista de 6 nomes para ser apreciada sucessivamente nos órgãos definidos na Lei até se chegar a uma proposta/ um nome a levar à consideração do PR. 
Dizem-me que a prática, enquanto vigorou essa norma, era a lista ser constituída quase sempre por dois nomes da Marinha, dois do Exército, dois da Força Aérea. Está bem de ver que na lista apareciam normalmente os chefes e vice-chefes dos ramos. 
No referente à nomeação de novo Chefe de Estado-Maior para os ramos, o articulado inicial (Artº 56º) era semelhante ao estabelecido para o CEMGFA, sendo que a lista a elaborar devia conter três nomes. Está bem de ver que, em regra, os nomes seriam os do chefe e vice-chefe do ramo e mais um. Imagino que seria quase sempre um que se lhes seguisse em antiguidade. Mas……talvez não tenha sido sempre assim.


5. Ao que me contam, era ainda Fernando Nogueira ministro da Defesa Nacional quando, para o processo de nomeação de um novo chefe para um dos ramos, a lista dos 3 nomes não continha o do oficial que seria do agrado do governo de então. Aquele que teria muito boa receptividade junto designadamente do então PM. E que de facto ficou arredado do almejado cargo, pois não integrou a lista. 
Não sei se é verdade ou não, mas é o que me diz um amigo que sempre me informou com grande rigor. O facto é que os já citados artº 52 e 56 foram pouco depois alterados, logo em 1995 salvo erro. Mas posso estar enganado, não é?  
Hoje em dia o processo é diferente, o ministro da tutela recebe vários oficiais em audiência, imagino que lhes pergunta muito pouca coisa, pois é capaz de haver um pré escolhido. É o que o tal amigo me diz que vai agora acontecer em relação à nomeação do futuro Chefe do Estado-Maior da Armada. Esse meu amigo conta-me que o que nos últimos meses lamentavelmente tem passado para os jornais sobre balbúrdias na Marinha, tem muito a ver com esta questão. Quanto ao CEMGFA, parece evidente aos olhos de quem queira ver, que o que estará a ser cozinhado merece os maiores reparos. Diz-me o meu amigo já citado que já houve, ao tempo de Paulo Portas, um almirante que esteve muito pouco tempo à frente da Marinha quase não aqueceu a cadeira e passou para CEMGFA. Pelo que, as interrogações listadas no artigo do banho-maria são no mínimo pertinentes e, creio, não rebatíveis por pessoas intelectualmente honestas.


6. Presentemente os processos regem-se pelas normas seguintes:
Lei Orgânica Nº1-A/2009/ 7 Julho, republicada no DR/ 1ª série nº 167/ 1 Setembro 2014, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 6/2014/ 1 Setembro


Artigo 12º
Nomeação do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas
1 — O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas é nomeado e exonerado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo, a qual deve ser precedida da audição, através do Ministro da Defesa Nacional, do Conselho de Chefes de Estado-Maior.
2 — Sempre que possível deve o Governo iniciar o processo de nomeação do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas pelo menos um mês antes da vacatura do cargo, por forma a permitir neste momento a substituição imediata do respetivo titular.
3 — Se o Presidente da República discordar do nome proposto, o Governo apresentar-lhe-á nova proposta.

Artigo 18º
Nomeação dos Chefes de Estado-Maior dos ramos
1 — Os Chefes de Estado-Maior dos ramos são nomeados e exonerados pelo Presidente da República, sob proposta do Governo, a qual deve ser precedida de audição, através do Ministro da Defesa Nacional, do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
2 — O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas pronuncia-se, nos termos do número anterior, após audição do Conselho Superior do respetivo ramo.
3 — Sempre que possível, deve o Governo iniciar o processo de nomeação dos Chefes de Estado-Maior dos ramos pelo menos um mês antes da vacatura do cargo, por forma a permitir neste momento a substituição imediata do respetivo titular.
4 — Se o Presidente da República discordar do nome proposto, o Governo apresentar-lhe-á nova proposta.
Como se vê, os governos nunca mais se deixaram enganar!

7. Para um observador de fora, creio que a esmagadora maioria do que está no artigo "A Marinha em banho-maria?” faz sentido, é de fácil compreensão e, além disso, vendo o que se continua a passar em muitos outros sectores da vida nacional, tudo parece legitimar a assumpção de que o assunto relativo ao futuro comandante da Marinha e ao futuro CEMGFA vem sendo tratado desastradamente e, digo eu, tem certamente por trás interesses vários, desde corporativos a pessoais. 
Corporativos que se podem adivinhar, e pessoais igualmente não muito difíceis de identificar pois, ao que me dizem, alguém anda a preparar o terreno há muito tempo, jogando em tabuleiros diferenciados, sobretudo na sociedade civil. 
Mas esta questão das promoções para a estrutura superior das FA tem muito que se lhe diga. Tal como em relação ao que se passa em muitos outros sectores da vida nacional. E, como sempre, ninguém tem razão a 100%.
Como bem explanado no artigo sobre a problemática presente na Marinha, além de ser o correcto e justo, os militares requerem sempre e necessitam de instruções claras, directrizes razoáveis, com bom senso, com adequabilidade e, portanto, previsibilidade. O que de facto, no caso vertente, e já agora digo eu, em muitos outros, não acontece.
Parece que dia 9 de Dezembro haverá novidades. Aí se aferirá a categoria e as qualidades intelectual e política dos presentes titulares de órgãos de soberania.
Dizem-me que do resultado a conhecer dentro de poucos dias também se poderão tirar conclusões sobre uma questão sempre decisiva em democracia, e que é a da subordinação das FA ao poder político, como deve ser prosseguido em democracia, ou se, nas entrelinhas, se vai acentuando a lamentável nuvem de submissão. Aguardemos.
Aguardemos para avaliar como certos senhores olham para estas coisas, querendo eu dizer que, goste-se ou não, as FA constituem uma instituição, e têm uma tradição secular. 
António Cabral  (AC)

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