Entretanto, quase não há tempo para sentir que o ridículo mata. O logotipo da bandeira nacional e da República Portuguesa foi o mais recente exemplo! A edição PS era moderna, digital e basbaque. Inclusiva, dizem, sem sinais colonialistas. Antes das eleições, a velha edição patriótica, com quinas e esfera armilar, foi reivindicada pelo PSD. Depois, a nova edição do PSD é patriótica nas cores, mas inclusiva na ausência de símbolos. Já não são precisos os votos, foram-se as quinas. E que mais teremos? Tempos houve, bem mais divertidos, em que se propunha colocar na bandeira o boné frígio, o triangulo maçónico, a cruz de Cristo, as cavacas de Rezende e talvez o bacalhau à lagareiro. Agora, são propostas de simplicidade digital e de alusão subconsciente à pátria!
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A esquerda ridícula tentou abolir o colonialismo da bandeira. Achou que era a boa altura, à mistura com o anti-racismo. A direita ridícula achou por bem reagir, Protestou. Antes das eleições, tratavam as esquerdas de traidoras. As esquerdas ridículas preparavam-se para se venderem no altar profano dos apátridas. As direitas ridículas logo se apresentaram ao serviço para salvar a pátria. Depois das eleições, não se sabe bem porquê, as direitas sanearam o ultraje dos socialistas, mas abdicaram do regresso à bandeira, e encontraram um meio termo, um pouco digital, um tanto moderno, conservador quanto basta, simples no que parece, destituído de significado, baço, como gostam os que não têm rosto nem cabeça. Nem coração, pelos vistos.
Entretanto, as esquerdas tentaram não comemorar Camões, que nasceu há 500 anos. Quase iam conseguir. As direitas, agora no governo, inventaram apressadamente um programa de festividades. Mas apagam Vasco da Gama, que morreu há 500 anos e era, ao que eles julgam, mais racista e esclavagista do que Camões. Acontece que este cantou aquele, com dedicação inspirada! Camões não merecia que esquerdas e direitas lhe fizessem uma moeda com cara sem rosto!
A agressividade com que os nacionalistas lutam contra os republicanos é tal que parecem perder a cabeça e o tino. Nunca se lhes ouve uma palavra sobre Camões ou Gama, sobre a bandeira ou a esfera armilar. Para já não falar dos campos verdes e do sangue dos heróis! Esquecem que esta bandeira é já por si lesa pátria e mata reis, pois deveria ser azul e branca. As direitas ganham as eleições e depois têm receio do que prometeram. Já que têm o governo nas mãos, porquê ganhar mais inimigos? Assim foi que encontraram soluções mornas para Camões, frias para Gama e turvas para a bandeira! Assim é que a bandeira nacional, produto republicano, é festejada pelos nacionalistas e conservadores. O hino nacional, a “Portuguesa”, produto jacobino, com laivos anticolonialistas, é defendido por conservadores e nacionalistas! O mundo às avessas!
(Público, 15.6.2024, António Barreto) (sublinhados da minha responsabilidade)
Com esta tralha, Portugal nunca se endireitará.
Oxalá me enganasse, mas temo bem que a minha sina continuará, nunca acertar no Euromilhões e, infelizmente, acertar em imensas coisas sobre a sociedade e no plano familiar também.
É a vida, como usava dizer o esponjoso.
António Cabral
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