sábado, 12 de janeiro de 2019

O "Estado" a que chegámos
"Recomeça........se puderes, sem angústia e sem pressa, e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcançares não descanses, de nenhum fruto queiras só metade." MIGUEL TORGA, 

1. Lutar contra ventos e marés. Por meios legais. É uma obrigação cívica. Mas tarefa muito ingrata, sobretudo se, ao longo dos anos, alguns com as maiores responsabilidades actuaram como se nada se passasse de gritante e desequilibrado e não tivesse consequências para quase todos. Se esses alguns que são bastante mais que "alguns", privilegiaram a submissão à subordinação. 
Se periodicamente pressionaram alguns dos que, com retidão e lealmente, em privado, se atreveram a colocar dúvidas e a chamar à atenção para a necessidade de resolver situações. Se, no meio civil e no meio militar, as mais das vezes preferiram o cinzentismo dos "yes boys de olhos azuis".

2. Parece-me lastimável o "ESTADO" geral a que chegámos. Está, a meu ver, à beira de explosão social. Uns dirão que não. Alguns brandem números em antagónicas demonstrações, aliás na AR viu-se exactamente este indecoroso espectáculo.
Outros fingem-se amnésicos, quanto a erros e desvios do passado. Para vários, como sempre gostaram de fazer, só conta a sua redoma, tomam-se de Pilatos. Lançam alertas, depois de objectiva e decisivamente terem ajudado a talhar o caminho para o precipício à beira do qual estamos. Mas brandem sempre o rigor, a excelência, e a elevada competência dos seus desempenhos, em todos os cargos públicos e privados por onde se espraiaram. Civis e militares.

3. Como outros, e contrariamente à perspectiva de dois dos meus melhores amigos, fui infelizmente acertando no descambar do nosso País, particularmente de 1991 para cá, e à progressiva desconsideração de certos meios civis e das Forças Armadas (FA) no seio da nossa sociedade, e particularmente à inexorável deterioração das FA a partir do início da 2ª maioria absoluta de Cavaco Silva. Para espanto e "aparente" desgosto de uns quantos que, agora, provavelmente, esqueceram a sua colaborante atitude de pesporrente passividade e  de como por vezes olharam os discordantes, ponderados e leais.

4. Sempre me enojou o blasfemar inócuo e não sustentado. 
E o tolo brandir intimidatório do poder formal das hierarquias civis e militares. Sempre me enojaram os que criam emprego aos berros ou por decreto. Também os que interna e externamente criaram e participam na teia da progressiva descredibilização se não mesmo destruição das FA, apesar das arengas pouco credíveis de Marcelo Rebelo de Sousa. 
Enoja-me os que procuram arrasar actores secundários fingindo desconhecer os responsáveis primeiros dos buracos nacionais. Buracos, sejam eles monstruosamente financeiros ou de índole estrutural de uma sociedade que devia ser saudável. 
Não deve ser esquecido que, alguns desses responsáveis primeiros, pisam as alcatifas dos actuais poderes formais.

5. Quando uns, com muita responsabilidade cívica, integraram certas organizações, quando o tráfico de influências passou a ser crime apenas desde há pouco mais de duas décadas, quando se permitem sucessivos pedidos de aclaração de sentenças, quando um assaltante de multibanco poderá ter uma condenação mais pesada que alguém que possa ter contribuído para o descalabro financeiro a
que nos conduziram, quando é "delicioso" olhar o grau de acatamento concreto de certas decisões de tribunais superiores, quando se apregoa o mar mas com portos cada vez mais caros e sem construção naval ou frota de pesca que se vejam e, em cima disso, a despudorada luta entre centrais sindicais, quando se recebem ameaças de multas por fraca fiscalização, quando os que insultam instituições e desprezam valores superiores se consideram e permanecem de facto intocáveis, é nesta sociedade que desde 1991 em movimento uniformemente acelerado se maltratam os cidadãos incluindo aqueles que um dia decidiram ser militares.

6. Uma sociedade assim, sem memória ou escarrando na memória, em que a esmagadora maioria de responsáveis políticos quando alternadamente está no poder espezinha há décadas, quer os desaparecidos em combate, quer os estropiados, quer a dor dos que ficaram, quer os traumas que advieram, quer os anos longe da família em ambientes hostis, e que desdenha de um dos pilares de qualquer estado saudável, é uma sociedade em decomposição acelerada. Por isso, acho encantador o espanto, a indignação, de alguns, perante o estado actual das coisas. Tanto mais encantador quanto me recordo de quando e de quem lhes conferiu poder, e do que podiam ter reformado e proposto que fosse reformado e não o fizeram. 
Quanto aos militares, particularmente muitas das sucessivas chefias cometeram, a meu ver, vários erros de 1991 até hoje, e de toda a ordem. Mas isso, para mim, é justificação insuficiente para aquilo a que se assiste. Porque antes dos militares, acima dos militares, estão os políticos, estão os sucessivos titulares de orgãos de soberania, que se esgotam a dizer que é preciso respeitar as instituições quando, na vida corrente, tudo fazem para as não respeitar, para as descredibilizar, para as denegrir.

7. De facto, só há debate de ideias e reformas dignas desse nome quando as pessoas querem debater seriamente.
Dê-se-lhe espaço. 
Que inimigos de quaisquer reformas, no campo civil e no campo militar? 
Que rumo estratégico para Portugal? 
Que Estado? Que defesa nacional? 
Lembrando que a instituição militar não é a defesa nacional, apenas um dos pilares, que FA? 
Por agora fica só, outra vez, o meu desabafo.

António Cabral


VERBA VOLANT, SCRIPTA MANEN

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