sexta-feira, 19 de maio de 2017

Recordações
(19 de Maio, 1973, pelas 2340 horas locais; portanto, a pouco mais de 2 meses de terminar a comissão de serviço na Guiné (29 Out 1971 - 28 Jul 1973))
Hoje, 19 de Maio, pelas 2340 horas, fará 44 anos que, quando o navio onde eu cumpria a minha comissão de serviço (NRP Hidra, onde desempenhava funções de oficial imediato) navegava em ocultação total de luzes e em postos de combate/ bordadas ou seja, com metade da guarnição pronta para responder a qualquer ataque, fomos atacámos por bombordo no rio Cacheu, na Guiné, hoje Guiné-Bissau. 
Como muitos outros, que estávamos no exterior do navio, tive muita sorte. Estava uma noite de espectacular luar, a navegação fazia-se por indicações verbais para o homem do leme, viam-se as margens claramente.
Morreu um comando africano, junto a quem rebentou o primeiro e único projéctil/ granada lançado pelos então guerrilheiros do PAIGC. 
Houve vários feridos, deflagrou um incêndio, e o navio teve danos vários, inclusive um pequeno rombo abaixo da linha de água. 
Teve que ser reparado no plano inclinado, nas oficinas navais em Bissau.
Passadas semanas, um relatório da PIDE/ DGS, confirmou a morte de todo o grupo de guerrilheiros atacantes.
Não era de esperar o contrário, pois tinham que infiltrar-se pelas densas árvores mesmo até junto ao rio, e ainda que sem serem avistados de bordo, a reação de fogo do navio e de todo o pessoal armado que estava no exterior (dezenas de comandos africanos e alguns fuzileiros) e que terá durado talvez 20 a 30 segundos, varreu com aço, literalmente, toda a zona na margem. 
Como se viu no local na manhã seguinte ao ataque, uma zona enorme quase circular de árvores zurzidas, sem folhagem, sem ramos pequenos, sem casca. Tudo branco. 
O tempo voa, 44 anos passaram!
Eu não esqueço. 
E recordo, com emoção, todos os que estavam comigo, muitos que nunca mais encontrei, vários que não vejo há muitos anos. 
Recordo, também, todos os que connosco conviveram naquelas paragens Africanas. 
E lembro vários, da Marinha e do Exército, que conheci naquele período, incluindo uns quantos que, após o 25 de Abril de 1974, ficaram figuras públicas. 
Recordo por exemplo um que, depois de embarcar no navio, após o regresso da operação dentro do Senegal (ataque a Kumbamori) , tirou as botas e mostrou uns desgraçados pés. Mostrou-os, uma lástima, e teve um desabafo brutal super vernáculo, aqui não possível de reproduzir.
Andam para aí muitos que não esquecem nada, porque quase nada ou mesmo nada sabem. 
Mas sobretudo não sabem respeitar.
Não respeitam os que, como eu, andaram na guerra e que felizmente regressaram quase sem sequelas. 
Mas, acima de tudo, não respeitam os milhares de portugueses que regressaram de África com sequelas, e os familiares dos que tombaram pela Pátria. 
Esquecem além disso, o que a CRP estabelece, e o que está em letra de lei na legislação que enquadra a Defesa Nacional e a sua componente militar que são as Forças Armadas.
Dever de tutela, respeito pela lei, verticalidade, honestidade intelectual, respeito pela história do País, estes e outros valores são lixo para a “gentinha” que, paulatinamente, e em todos os quadrantes, desgraça o País.
António Cabral (AC)

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