A MORTE
A única verdade irrefutável, a única certeza à superfície terrestre, a morte. Um dia chega, a todos.
Doença súbita ou prolongada, acidente trágico, queda nas escadas ou na rua, sono sossegado que
de tão velhinho já não se acorda na manhã seguinte, ferimento na guerra.
É uma coisa desagradável de se falar, mas faz parte da vida, de militares e civis.
É aquela coisa que não acontece só aos outros.
Pela minha parte, tenho dois "ficheiros" sobre ela: um civil, outro militar.
A morte, a que presenciei, não é como nos contam nos livros policiais ou em romances, ou nos filmes.
Do "meu ficheiro civil":
> adormeceu, sofrido, mais frágil que um cristal fininho do século XIX, não acordou, o rosto
continuava de manhã fechado, os lábios entreabertos.
> prostrado, cuidados intensivos, cabeça entrapada, o horrível som entre o rouco e soprado que
saía dos lábios, estado para lá do vegetal horrível de testemunhar, resistiu pouco mais que 48 horas.
> escanzelado, metendo-lhe para dentro líquidos verde escuro e soros, durou 8 meses e 8 dias.
Guardo bem na memória o que vi.
Do "meu ficheiro militar":
> 2340h, 19 Maio, 1973, rio Cacheu, chegou repentino, por bombordo, vindo da margem, de
dentro do "tarrafo", causou um pandemónio a bordo, alguns feridos, um ferido muito grave que
veio a falecer; podiam ter morrido vários homens, eu, o meu amigo e estimado comandante, e
mais alguns dos que estavam no exterior do navio. Aqui, a morte chegou a um, rondou vários, as
coisas ficaram assim, porque tinha de ser assim. Neste caso, o morto, um comando africano
que estava no exterior, gravemente ferido em todo o corpo porque a explosão aconteceu quase
em cima dele. Faleceu horas depois do sucedido e socorrido pelo enfermeiro, que o deixou
quase como uma múmia e bem anestesiado, por razões óbvias. Não faleceu como nos filmes.
> 1980, salvo erro, a Sul do Algarve, desembarcámos um sargento falecido subitamente a bordo.
Um cenário que não se esquece, designadamente a passagem dos restos mortais para fora do navio.
Guardo bem na memória o que vi.
Porque me lembrei disto tudo, da morte de familiares e de militares?
Porque hoje, outra vez, um massacre em Paris.
A confirmação só daqui a várias horas mas, aparentemente, dezenas de mortos, dezenas de
feridos. Agora não houve provocações cartoonistas.
A realidade é que foram assassinadas dezenas de pessoas.
Para quando, a nível geral, colocar os pés na terra?
António Cabral
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